O Cruzeiro é uma coletânea de 129 orações dispostas em forma de hinos. Em que pese a celeuma criada pelos protestantes entre “rezar” e “orar” – para eles há diferença -, faço parte dos que advogam o entendimento de que os dois verbos são sinônimos, como atesta, por exemplo, o dicionário Houaiss definindo o verbo “rezar”: “Dizer (oração, súplica religiosa); fazer (prece)”; e exemplifica: “Rezar uma oração a Deus” (REZAR, 2009). No mais, quem não vive “(…) a doutrina conforme a piedade, é porque é cego, nada entende, é doente a procura de controvérsias e discussões de palavras” (1 Tm 6: 4).
Repetindo o verbo rezar três vezes, Mestre Irineu consagra este hino 8 ao tema, exortando às preces, como bem testemunhará no hino 77, Chamo e Sei: “Vou rezar as minhas preces/Cumprir minha obrigação/Oferecer ao Pai Eterno/Que é o Senhor da Criação” (77: 3). Muito antes, no hino Cantar Praia, declara que sua devoção oracional (sua própria vida!) é humilde – “Devo ser eternamente/Para sempre amém Jesus/Eu sou um filho eterno/De joelhos em uma cruz” (24: 3) – e penitenciada, como atesta a suma doutrinária denominada Hinos Novos: “Eu peço a vós bem contrito/Fazendo minhas orações/Peço a vós a santa luz/Para iluminar o meu perdão” (122: 3).
À vista disso, seguindo a ordem litúrgica d’ O Cruzeiro, no hino seguinte ao 24, Leão Branco, a seus irmãos e discípulos, exorta segui-lo: “A minha Mãe me acompanhou/Mandou eu ensinar/Os que forem filho dela/Aprender ao menos a rezar” (26: 3). O último verso nos mostra que, rezar, é fundamento doutrinário imprescindível à prática doutrinária, o que está de acordo com a declaração de Percília Matos, zeladora do hinário: “O nosso Mestre disse que, depois de tomar Daime, a principal obrigação para quem segue nesta linha é rezar” (Comunicação pessoal).
N’O Cruzeiro, “rezar” está intimamente ligado a “rogar”, verbo que se apresentará a primeira vez no hino seguinte Mãe Celestial, sendo repetido também por três vezes. Inclusive, no hino 58, Todo Mundo Quer Ser Filho, deve-se rezar pelo irmão através do rogo a Deus pela intercessão da Virgem Maria, a Paráclita, advogada (hino 1, 5, Lua Branca): “Todo mundo quer ser filho/De Deus da criação/Por que que tu te esqueces/De rezar para o teu irmão?” (58: 1); “Meu irmão que se mudou/Saiu com alegria/Eu rogo a Deus por ele/À sempre Virgem Maria” (58: 2).
Justamente, à Defensora, o Mestre agora pede como se rogasse: “Sempre, sempre, sempre, sempre/Eu peço à Virgem Maria/Defendei os inocentes/De toda esta orfandia” (43: 4). O que está de acordo com o próprio Jesus, que, segundo a exegese minuciosa do biblicista católico Raymond Brown, utiliza em Jo 17, 9 – “Por eles eu rogo; não rogo pelo mundo…” -, o verbo rogar como sinônimo de pedir: “17.9. Eu rogo. Literalmente “eu peço” (BROWN, 2020: 1166. Vol. 2.). À frente, no hino 91, Choro Muito, a consoladora e paladina, tutora do Espírito Santo (Dai-me!), como uma boa mãe que não nega auxílio às súplicas de seus filhos, manifestar-se-á em seu sacratíssimo ofício na seguinte exortação à prece intercessora, segundo grafia de Percília Matos: “Vamos todos meus irmãos/Vamos REZAR com amor/Para Deus e a Virgem Mãe/Nos defender desses terrores” (91:3); “Sou filho da Virgem Mãe/Reconheço este poder/Chamo a força, eu chamo a força/para vir nos defender” (91: 2) – “Mas receberei uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre vós…” (At 1, 8, tradução Bíblia de Jerusalém); “Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo…” (Tradução João Ferreira de Almeida).
A propósito, “(…) Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós o que recebeste de Deus?” (I Cor 6: 19). Cada um é o verdadeiro templo, como o próprio Jesus referiu a si mesmo nas palavras do Evangelho joanino: “Ele porém falava do santuário de seu corpo” (Jo 2: 21). É nesse sacrário, onde habita a alma consciente, que realizamos em estado enteogénico a premissa divina de a Deus adorar “(…) Em Espírito e verdade, pois tais são os adoradores que o Pai procura” (Jo 4: 23).
Outro instrumento utilizado por Mestre Irineu em sua prática oracional é, obviamente, o canto. Como exemplo, temos o belíssimo hino Seis Horas da Manhã: “Seis horas da manhã/Eu devo cantar/Para receber/A meu pai divinal” (27: 1). No hino Eu Vou Cantar, sua oração é oficiada através do canto e, outra vez, sujeitando-se humildemente a Deus: “Eu vou cantar, eu vou cantar/De joelhos em uma cruz/Vou louvar ao Senhor Deus/Foi quem me deu esta luz” (65: 1).
Lembro-me de uma frase, cuja autoria desconheço, que diz “É mais fácil seguir pegadas do que ordens”. Obedecer por obedecer não é tão proveitoso quanto compreender o porquê. Olhando para onde Mestre Irineu chegou, podemos estar certos de que o bom combate, combateu, e o bom caminho, caminhou. E está muito claro que o hábito da oração foi luminária nessa divina vereda. É dever de um discípulo consciente, seguir os passos de seu mestre, pois “Aquele que diz que permanece nele deve também andar como Ele andou” (I Jo 2: 6). Mestre Irineu subscreve – “para sempre amém Jesus”, expressão repetida 6 vezes em 6 hinos – a senda devocional de Jesus, divinamente ornada com a prática rotineira da oração no caminho da cruz: “Devo ser eternamente/Para sempre amém Jesus/Eu sou um filho eterno/De joelhos em uma cruz” (24: 3).
A vida de Jesus consagrada à oração é evidenciada desde seu lar em Nazaré, através da educação religiosa de seus pais: “(…) Iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa. Quando o menino completou doze anos, segundo o costume, subiram para a festa” (Lc 2: 41-42); logo após o batismo no Jordão, onde a pomba se manifestou, “Jesus voltou então para a Galiléia, com a força do Espírito…Ele foi a Nazaré, onde fora criado, e, segundo seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga…” (Lc 4: 16); por fim, no epílogo de sua gloriosa missão, “Ele saiu e, como de costume, dirigiu-se ao monte das Oliveiras. Os discípulos o acompanharam. E afastou-se deles mais ou menos um tiro de pedra [20 a 30 m], e, dobrando os joelhos, orava…” (Lc 22: 39-41).
O hábito da oração também pode estar associado a certas horas do dia, como essas preces noturnas de Jesus no Getsêmani que acabei de citar (Lc 21: 37). Ou como Mestre Irineu demonstrou ao diariamente esperar, apoiado no batente da janela de sua sala, o nascer do Sol, para reverenciá-lo através de sua conhecida Oração ao Sol. O que está de acordo com este costume bíblico do Livro dos Salmos 119: 147, segundo tradução João Ferreira de Almeida revista e atualizada: “Antecipo-me ao alvorecer do dia e clamo, nas vossas palavras, espero confiante”. O discípulo de primeira hora João Pereira também remete a uma certa hora para a prática da prece, revelando uma preciosa chave: “Agora mesmo minha mãe me disse/é meio-dia vamos descansar/Agora mesmo eu ouvi falar/É meio-dia vamos rezar” (12: 1) – o repouso que a conexão da oração traz: “Vinde a mim todos que estais cansados sob o peso de vosso fardo e vos darei descanso” (Mt 11:28), pois “Ele dá força ao cansado, que prodigaliza vigor ao enfraquecido” (Isaias 40: 29, tradução Bíblia de Jerusalém).
Criar o hábito de rezar em certas horas, conduzirá a este patamar: viver em estado de oração ao longo do dia. É o que sugere Horário, de Germano Guilherme, o primeiro discípulo a apresentar um hino no Daime: “São seis horas do dia/Nosso Pai e nossa Mãe vamos amar/Que tudo que nós precisa/Nosso Pai e nossa Mãe é quem nos dá” (5: 1). Os versículos se repetem alterando apenas o horário (“São sete horas do dia”, “oito”, “nove”, “dez”, “onze”), assim concluindo: “São doze horas do dia/Nosso Pai e nossa Mãe vamos amar/É quem nos guarda e nos defende/E é quem nos livra de todo mal”.
O hino que abre O Cruzeiro, como prólogo, diz: “A Virgem Mãe mandou/Para mim esta lição/Me lembrar de Jesus Cristo/E esquecer a ilusão” (29: 3). Onde Jesus se deu a conhecer publicamente? No Jordão, lugar onde começou seu ministério, antes que fosse revelado, orou: “Ora, tendo o povo recebido o batismo, e no momento em que Jesus, também batizado, achava-se em oração, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corporal, como pomba. E do céu veio uma voz [anúncio público]: “Tu és o meu Filho; eu, hoje, te gerei”” (Lc 3: 21). Só após a oração é que ocorre a manifestação do Espírito, como registrado em Atos no que tange à primeira comunidade cristã: “Tendo eles orado, tremeu o lugar onde se achavam reunidos. E todos ficaram repletos do Espírito Santo…” (At 4: 31). Como a pomba do Espírito está associada a Mãe Divina, obedecer a ordem da Rainha, “A Rainha me mandou eu rezar…” (8: 1-3), é receber a chave do seu coração e alçar voo para a imensidão – após o batismo, os céus se abriram! (Lc 3: 21).
Lucas relata em seu Evangelho, que o Espírito Santo – em sua manifestação primaz – desceu sobre Maria (Lc 1: 35). Em qual lugar desse mesmo Evangelho está escrito que o Espírito dela se apartou? Pois, em seu segundo livro, Atos dos Apóstolos, Lucas testemunha que Ela – no Gólgota ordenada mãe do Discípulo Amado em um grande símbolo – exortava, como anciã, à oração na assembleia apostolar pós-crucificação: “Todos esses, unânimes, perseveravam na oração com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, e com seus irmãos” (At 1: 14). Segundo o teólogo doutor Rinaldo Fabris, especialista nessa obra lucana, “O evangelista que dedicou as páginas mais sugestivas à figura da mãe, no pequeno evangelho das origens de Jesus [Lc 1: 26-52], não podia narrar as origens da Igreja sem mencionar a presença da mãe” (FABRIS, 1991: 54-55). A divina Maria Damião, nos primórdios do Daime, cantou a pedra: “O tempo chegou, feliz daqueles/Que seguiu e gravou este amor/A minha mãe há muito tempo/Os ensinos para todos ela mandou” (19: 4)…
A RAINHA ME MANDOU
EU REZAR PARA O MEU IRMÃO
PARA ELA LÁ NO CÉU
ALIMPAR MEU CORAÇÃO
Antes de dar início à exegese do primeiro versículo deste hino 8, A Rainha Me Mandou, que tempo é esse do qual fala a profetiza Maria Marques Vieira em seu hino 19? Na grande sala do andar superior (Lc 22: 12), após a derradeira ceia, Jesus faz uma promessa: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos guiará na verdade plena…” (Jo 16: 13). Como inicia o hino que anuncia a “chegada do tempo” no hinário O Mensageiro? “A minha Mãe me procurou/Logo a verdade ela veio e me mostrou/E me ordenou pra mim seguir/Nesta verdade que é o divino resplendor” (M.D. 19: 1). E estando “nesta linha da verdade” (v. 2), “limpa em cristal” (v. 3), rezar é fundamento doutrinário, que, sendo primícias dessa devoção, vai asseando o coração.
Por que “rezar pelo meu irmão” está intimamente ligado a “limpar meu coração”? Limpar propriamente do quê? Sugiro, após meditar no mistério, que a maior nódoa no coração dos homens é o egoísmo, pai de muitos males! Justamente, a compaixão (rezar pelo irmão) é antípoda do egoísmo. Igualmente, a oração verdadeira, não protocolar e farisaica, pressupõe esvaziamento – de preconceitos, comparações e julgamentos (auto e alheio). Sim, a compaixão legítima tem na aceitação da natureza do outro uma de suas premissas, sem a mesquinha pretensão de moldá-lo ao nosso próprio gosto.
Simultaneamente, a compaixão de rezar para o irmão transforma minha solidão em solitude, sublime manifestação daquilo que realmente sou: ser do amor! Assim, a nódoa de amargura e tristeza que possam estar impregnando o coração, naturalmente e até milagrosamente dão lugar a consciência de viver o coração acolhedor de Maria e sua força de fé, esperança e alegria! Muitos casos de melancolia crônica que, muitas vezes, desaguam no mar gélido e sombrio da depressão, nascem na incapacidade de enxergar para além de si mesmo. O egoísmo poderá cedo ou tarde conduzir a monotonia por não mais saciar os objetos de nossas fantasias – as conquistas mundanas. Diversamente, o altruísmo é sempre entusiasmante! A graça da abnegação, dentre outras, está na dádiva de esquecermos de nós mesmos, no sentido de abandonarmos a órbita de nossos umbigos. “Rezar pelo meu irmão” é lampejo de redenção à egóica alienação. “Rezar pelo meu irmão” é muito mais que uma oração; é um belo estilo de vida cristão. Rezar é cuidar. Lembranças do Amado no Monte das Oliveiras…
“E foram a um lugar cujo nome é Getsêmani. E ele disse a seus discípulos: -Permanecei aqui enquanto vou orar. E levando consigo Pedro, Tiago e João, começou a apavora-se e angustiar-se. E disse-lhes: – Minha alma está triste até a morte. Permanecei aqui e vigiai” (Mc 14: 32-34). O restante da história conhecemos: por três vezes, Jesus os encontra dormindo (indiferentes!). Contraria e concomitantemente, o Mestre orava: “(…) Afasta de mim este cálice; porém, não o que eu quero, mas o que tu queres” (Mc 14: 36). Para Jesus, “rezar pelo meu irmão” foi a essência de sua própria missão, que em seu epílogo ainda revelou algum resquício de amor-próprio inerente à natureza humana; não obstante, essa autodefesa foi expugnada pelo cálice – cale-se! Afastou-se a densa nuvem que pairava sobre a clareira, e ao brilho da lua cheia o eu saiu de cena para que o amor fraterno se tornasse, da comunhão da vida, o maior emblema. O Mestre cuidou de todos, mas ninguém cuidou dele. Deixa eu cuidar – rezar por ti -, para ver se posso me remir!
A RAINHA ME MANDOU
EU REZAR PARA A HUMANIDADE
PARA ELA LÁ NO CÉU
FAZER AS VOSSAS VONTADES
Para sacramentar a comunhão dos santos, como eram chamados os primeiros cristãos em Atos 9, 13 e Romanos 15, 26 e que, no cumprimento do tempo outrora anunciado e por Maria Damião afirmado, tornam-se redivivos na exortação do grande Mestre reencarnado – “Todos os santos e todas santas/Roguem a Deus no coração/Para os filhos da terra/Esquecer a ilusão” (105: 3) -, faz-se necessário, através das preces, a piedade em prol da humanidade. À luz do Jesus dos Evangelhos, o que seria “rezar para a humanidade’?
PARTE I – A RAINHA ME MANDOU EU REZAR PARA A HUMANIDADE
No Evangelho atribuído a João, capítulo 17, está a mais longa oração de Jesus à qual denomino rogativa da última ceia, ou nas palavras do teólogo católico, doutor José Comblin, a “oração pelo universo” (COMBLIN, 2010: 75). Abrindo o leque exegético, podemos considerá-la a “oração pela humanidade”, afinal o Universo pode ser entendido como o “Uni” (Deus) e o “verso” (criaturas) que, pela oração, reconectam-se. Essa oração constituída por 26 versículos foi proferida logo após a ceia derradeira em Jerusalém, endereçada primeiramente às testemunhas oculares, os apóstolos: “Por eles eu rogo; não rogo pelo mundo, mas pelos que me deste, porque são teus” (17: 9). À frente, o alcance do rogo se amplia: “Não rogo somente por eles, mas pelos que, por meio se sua palavra, crerão em mim” (17: 20).
No primeiro versículo citado, Jesus diz que “não roga pelo mundo”. Sim, o mundo é mundo desde que existe em sua natureza intrinsicamente mundana. O mundo já coroou o seu príncipe, que, em João mesmo, é chamado de “Maligno” (17: 15). A primeira epístola joanina nos diz: “Nós sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro está sob o poder do Maligno” (I Jo 5:19). Por isso, na oração do Pai-nosso proferida em Mateus (6: 9-13), a Bíblia de Jerusalém grafa “E não nos submetas à tentação, mas livra-nos do Maligno”. Jesus não rezou pelo mundo, mas para que a mundanidade não corrompesse a humanidade de seus discípulos: “Pai santo, guarda com teu nome os que me deste…” (17: 11), “Porque tudo o que há no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e orgulho da riqueza – não vem do Pai, mas do mundo” (I Jo 2: 16). E, na sequência da prédica epistolar joanina, fazendo a ponte para a segunda parte da segunda estrofe deste hino 8: “Ora, o mundo passa com suas concupiscências; mas o que faz a vontade de Deus permanece eternamente” (I Jo 2: 17).
PARTE II – “PARA ELA LÁ NO CÉU FAZER AS VOSSAS VONTADES”
Estando, de fato, no caminho de São João e Jesus, pergunto: quais são minhas vontades; o que meu coração anda desejando? Não seria auspicioso procurar saber o que está de acordo com a vontade de Deus? O salmista canta: “Agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração está a tua lei”. (Sl 40; 8). Mil anos depois, Jesus proclamou no Pai-nosso: “(…) Seja a feita tua vontade na terra, como no céu” (Mt 6: 10). A epístola petrina diz: “Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos” (I Pe 2: 15). O bem pode ser praticado de muitas formas, mas nada tão divino quanto a caridade: “Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus?” (I Jo 3: 17). Por isso, em sintonia com o comunismo essênio, João Batista, mentor de Jesus, ambos assassinados pelo imperialismo, foi bem claro em sua doutrina fraterna: “(…) Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo” (Lc 3: 11).
Portanto, “rezar pela humanidade”, enquanto conjunto dos seres humanos, implica em rogar a Deus para que sua graça desperte nos homens a benevolência e altruísmo a fim de que a vontade egocêntrica de cada um se transforme na vontade altruística do Mestre, igualmente manifesta na rogativa da última ceia, segundo a tradução de João Ferreira de Almeida revista e atualizada: “Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comigo os que me deste…” (Jo 17: 24). Onde o Mestre está é o mais sublime patamar do amor fraternal, que também atende pelo nome de comunhão: “(…) A fim de que todos sejam um… eu neles e Tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade…” (Jo 17: 21-23). Valendo-me outra vez da expertise do especialista dr. Raymond Brown, “unidade” aqui, no Evangelho de João, significa comunidade! (BROWN, 2020: 1189. Vol. 2.). Na mesma página, aprofunda o estudo, fornecendo indícios que fortalecem a hipótese da origem essênia do apóstolo de Patmos: “A impressão de que João está pressupondo uma comunidade cristã é agora grandemente corroborada pela evidência dos Manuscritos do Mar Morto. (…) A comunidade [essênia] falava de si mesma como a yahad ou “unidade””.
A oração pela humanidade de João 17, e por que não dizer rediviva por Mestre Irineu nesta estrofe do hino 8, implica que minha vontade esteja sintonizada à vontade de Jesus; ou seja, de que sejamos uma unidade; porém, segundo podemos entender, só haverá plena humanidade quando essa unidade frutificar comunidade; enfatizando o mestre João Batista: ““(…) Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo” (Lc 3: 11). Como disse e ainda diz Raimundo Irineu Serra, que ao deixar este mundo havia assentado gratuitamente em suas terras mais de 40 famílias: “(…) Tudo vive neste mundo muito longe do poder” (123: 3).
A minha vontade não deve ser de poder, riqueza e reconhecimento mundano, que me dão a falsa e vã consciência de que estou acima dos outros, mas a de ter um coração cada vez mais simples, humilde e caridoso, pois esses recebem o tesouro da bem-aventurança eterna que a divina consciência traz; a saber: os humildes de espírito, os mansos, os que tem fome e sede de justiça [no contexto de Mateus, justiça social], os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores…” (Mt 5: 1-12). Quanto às nossas necessidades básicas, que também era uma preocupação premente dos primeiros discípulos, o mesmo Evangelho mateano, um pouco à frente, anuncia: “Buscai, em primeiro lugar, seu Reino e sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6: 33). As “coisas” do minimalismo redentor, que não são frutos dos desatinos do ego consumista e ostentador.
A RAINHA ME MANDOU
EU REZAR PARA OS INOCENTES
PARA ELA LA NO CÉU
ROGAR O ONIPOTENTE
A palavra “inocente (s)” aparece n’O Cruzeiro 4 vezes (hinos 8, 12, 17 e 43). No hino 12, Meu Divino Pai, Mestre Irineu confessa-se: “Vós me queira perdoar/Que eu peguei por inocente/Porque não tinha certeza/Do nosso Deus onipotente” (12: 2). Deus responde, concedendo o perdão através do esclarecimento: “Ó meu divino Pai/É vós quem me dá a luz/Eu nunca mais hei de esquecer/Do santo nome de Jesus” (12: 3). O que Jesus nos ensinou sobre rezar para os inocentes? Comecemos pelo que sugere o hino citado (12), os inconscientes – “Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem” (Lc 23: 34).
Já na oração contida no hino 43, lembrando os indoutos galileus em costumeiro português iletrado, Mestre Irineu faz uma crítica à guerra, na qual os inocentes são as crianças: “Sempre, sempre, sempre, sempre/Eu peço à Virgem Maria/Defendei os inocentes/de toda esta orfandia” (43: 4). Jesus também orou pelos pequeninos: “Naquele momento, foram-lhe trazidas crianças para que lhes impusesse as mãos e fizesse uma oração” (Lc 19:13). No versículo 14, anuncia que o Reino dos Céus a elas pertencia (a guerra é o antirreino de Deus); e “(…) Em seguida impôs-lhes as mãos e partiu dali’ (Lc 19: 15).
Por fim, Jesus também se preocupou e abençoou os inocentes (injustiçados sociais), que representavam a grande maioria de seus seguidores, oprimidos pelo sistema escravocrata imposto por Roma com a anuência dos mancomunados e beneficiados saduceus, a classe que dominava e usava a religião a favor de escusos interesses. Em Mateus, o Evangelho que traz mais vivamente o manifesto por justiça social (vide intepretação neste site do hino 5, Refeição), Jesus abençoa os oprimidos inculpados nas indeléveis bem-aventuranças do Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5: 10).
De maneira que, as últimas duas frases do presente versículo 3, concluída com a expressão “Rogar o Onipotente”, na grafia segundo Percília Matos, também pode significar exortar a presença-consciência do Reino onde habitam os redimidos de suas culpas inconscientes, os pequeninos e os injustiçados.
A RAINHA ME MANDOU
SANTA PAZ E ALEGRIA
PARA ELA LÁ NO CÉU
MANDAR O PÃO DE CADA DIA
Sendo a encarnação do Reino do Onipotente, na cena da última ceia, Jesus anunciou: “Deixo-vos a paz, minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá [é a “santa”]” (Jo 14: 27); e “Eu vos digo isso para que minha alegria esteja em vós e vossa alegria seja plena” (Jo 15: 11), pois imediatamente antes de legar-nos a santa paz no versículo 27, fez uma promessa redentora: “Mas o Paráclito, o Espírito Santo [Dai-me!] que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que vos disse” (Jo 14: 26): “A Rainha me mandou/Santa paz e alegria/Para ela lá no céu/Mandar o pão de cada dia”. Todavia, “Nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4: 4) – o Paráclito, da Rainha indissociável, manifestado no verbo de Mestre Irineu! Amém.
REFERÊNCIAS:
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém: Nova Edição, Revista e Ampliada. São Paulo: Paulus, 2002;
BÍBLIA. Português. A Bíblia da Mulher. 2ª Ed. Tradução João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada. São Paulo: Mundo Cristão, 2003;
BROWN, Raymond. Comentário ao Evangelho Segundo João Volume 2 (13-21). Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2020;
COMBLIN, José. A Oração de Jesus. São Paulo: Paulus, 2010;
FABRIS, Rinaldo. Os Atos dos Apóstolos. São Paulo: Loyola, 1991;
REZAR. In: DICIO, Houaiss Eletrônico. São Paulo: Objetiva, 2009;
Respostas de 8
Tocou profundo cada palavra deste estudo, irmão estimado!
Como sempre, muito aprendizado. Sobre os hinos mesmo, não sabia da grafia “rezar”no hino 91 nem do 58, “Eu rogo a Deus por ele/À sempre Virgem Maria”… como muda, né? Mas isso é o detalhe, tão profunda a exegese do hino e e tão legante o chamado para esse povo cabeçudo (incluindo eu) aprender a rezar! Gostei muito das passagens de João (mais gnóstico impossível) e das relações feitas com o hinário Mensageiro. Vamos seguindo as pegadas no nosso Mestre que certamente elas nos levam a um bom caminho.
Muito obrigada por tudo que tem nos proporcionado neste estudo que tem se dedicado, levando adiante os ensinamentos do Mestre Irineu. Tenho certeza que toca a muitos corações as palavras deste Evangelho de Juramidã! A minha alma, nele se compraz!
Rogo a Deus e a Nossa Rainha que sempre lhe abençoem com muita saúde, paz e alegria! Amém. <3
Agradeço a você por todo o apoio, prezada amiga! Vamos caminhando pela estrada que o Mestre caminhou, com esperança de nos unificar a esse grande amor! Votos de saúde, paz e felicidades! 💞
Texto muito interessante. Gostei muito da aproximação da mensagem de Juramidã ao comunismo essênio e a conclusão de que o parácleto estaria presente nas palavras do Mestre. Intrigante!!!
Agradeço por ter apreciado! Votos de saúde, paz e felicidades! 🍀
Muito obrigada por esse estudo lindo reforçando minha Fé nas pegadas do Mestre, que alegria relembrar todas essas passagens assim linkadas com outras mostrando a profundidade dos nossos hinos relembrando q são orações! A oração do Sol é uma das poucas q trago de cor e gosto de citar ao sair de casa, gratidão por me reforçar de rezar mais, de manter esse habito para limpar o coração e mto maravilhoso tb relembrar o qto o Mestre ajudou assentando tantas famílias, nos dando mais uma vez exemplo real desse comunismo na prática, é amor demais!
No Ho’oponopono tem uma frase na invocação da Paz do Eu que é igual a essa passagem de (Jo 14: 27) :
“A Paz esteja convosco! Toda minha Paz! A Paz que é Eu! A Paz que é Eu Sou!
Minha Paz vos dou minha Paz deixo com você, não a Paz do mundo mas somente a minha Paz a Paz do Eu!💧Estudo finíssimo!✨🌻✨
Agradeço, minha irmã! Incentiva-me! Sigamos com devoção equilibrada, para estar bem firmada! Deus abençoe sua vida 🙏💜🌷
Esse texto é jóia preciosa. É maravilhoso ter a oportunidade de compreender os hinos, que são orações,com tanta profundidade. E esse chamado para seguir a estrada que o mestre andou. Rezar, pelos irmãos, rogar amor.
Que um dia possamos todos estarmos unidos nesse propósito.
Gratidão sempre valoroso amigo.
Peço a Deus que sempre te dê muita paz, saúde e firmeza. Um grande abraço. Te amo ❤️
Muitíssimo grato pela consideração! Nossa amizade também é uma jóia preciosa! Desejo igualmente muita paz, saúde e firmeza. Eu te amo da mesma forma 💞