INTRODUÇÃO
No ano de 2003 iniciei minha ventura literária no Daime, organizando um pequeno livro intitulado Contos da Lua Branca (há muito esgotado), cujo ponto alto são histórias envolvendo alguns hinos de Mestre Irineu. No final, na página 119, publiquei o que seria a bandeira do Daime instituída por ele. A gráfica falhou no desenho por mim proposto e providenciou uma errata na forma de um cartão de 10 x 7 cm, que veio solto dentro do livro na página correspondente. Vide foto abaixo.
Era a primeira vez que se divulgava nos centros do Daime a existência de tal estandarte. Eu não imaginava que essa imagem se tornaria tão popular. Hoje, encontra-se estampada em camisas, moletons, bonés, adesivos, chaveiros, bandeiras de pano, e até mesmo confeitada em bolo de aniversário de adeptos inspirados no motivo. Contudo, anos depois, identifiquei uma diferença no posicionamento da águia, quando tive acesso a uma foto clássica em que o presidente Leôncio Gomes empunha a bandeira (foto abaixo).
Da esquerda para direita (na direção da bandeira), estão perfilados os contemporâneos de Mestre Irineu: Guilherme Gomes da Silva (introdutor dos “Vivas!”), Emílio Furtado (Membro Conciliar Benemérito), Francisco Granjeiro Filho (Comandante do Feitio), José Lima (Membro Conciliar Noviço), José F. das Neves (Conselheiro) e Leôncio Gomes (Presidente e Mestre Imediato).
OBS: José Francisco das Neves foi o segundo discípulo de Mestre Irineu em ordem de chegada (1931), após Germano Guilherme (1928). João Pereira foi o terceiro (1931). Leôncio Gomes e Guilherme Gomes são filhos de Antônio Gomes da Silva, que chegou com sua família em 1938 (CARIOCA, 2000: 34).
OBS 2: a Lua não está inclinada como a primeira vista pode parecer, em decorrência da forma como foi empunhada. Ela está deitada na horizontal. Vejamos por este ângulo (contribuição de Luis Pavão Luba):
“Vivendo e aprendendo”, diz o célebre e sábio ditado. Não faz muito tempo que tive acesso a uma foto ainda mais antiga do que essa. Para minha surpresa a águia está representada tal como na gravura distribuída no citado livro. Apenas a Lua aprece menos fina (vide foto abaixo na qual Mestre Irineu aparece ao lado de Madrinha Peregrina e dona Lourdes Carioca).
A foto original, a seguir:
Atualmente, o CICLU-Alto Santo usa uma bandeira com uma lua mais afinada. Vide foto abaixo (click do jornalista Altino Machado no São João de 2022).
NOTA: aos que se interessarem em possuir a bandeira em pano, existe uma competente fábrica em Contagem, Grande Belo Horizonte, a BANDEBRAS (fácil de localizar no Google e na página da empresa no Facebook), que a confecciona em vários tamanhos segundo o padrão ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) para bandeiras. A empresa a forneceu para centros daimistas e tem o modelo (da foto de seu Leôncio) arquivado. Suponho que, a espessura da lua ou posicionamento da águia, possa ser modificado caso se deseje seguir o padrão da foto mais antiga (de Mestre Irineu com Madrinha Peregrina e dona Lourdes Carioca), ou mesmo do CICLU – Alto Santo. WhatsApp: (31) 99212-2830.
SIMBOLOGIA DA BANDEIRA: BREVE COMENTÁRIO
O VERDE
O verde é o grande pano de fundo da bandeira nacional do Brasil e representa não só as florestas como seus povos originários e cultura. No hino Encostado a Minha Mãe, Mestre Irineu descreve a Divina nestes termos: “Minha flor/Minha esperança/Minha rosa do jardim…” (114: 2). No hino 54, Pedi Força a Meu Pai, novamente adjetiva a Mãe de “flor” associando-a uma vez mais à esperança: “Surubina, minha flor/Jardim da minha infância/A base deste mundo/É o verde minha esperança”! Deduzo que, Surubina, a Mãe Divina, personifica a floresta! Emma Jung nos diz que, “A floresta com sua natureza protetora e doadora de alimento, representa também uma espécie de mãe…” (JUNG, 1980: 28). Proponho que a expressão “Jardim da minha infância” seja uma metáfora. O Sacramento, fruto da floresta verdejante, resgata a inocência divinizante; pois, “Se não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 2).
Reproduzo a versão mariana para o citado aforismo de Jesus na bela adaptação do filósofo Jean Guitton: “Se não vos tornardes semelhantes a meninos, descendentes da maternidade mariana, e envolvidos na sua esfera, mais dificilmente entrareis no Reino” (FARIA, 2013:75). No Evangelho de Tomé, dito 37, os discípulos perguntaram a Jesus: “Em que dia será tua manifestação? Em que dia teremos nossa visão?” Jesus respondeu: “No dia em que estiverdes nus como criancinhas que andam por cima de suas roupas, então, vereis o Filho do Vivente e deixareis de ter medo” (LELOUP, 2004: 106). Sob o manto d’ As Estrelas (hino 75), despidos, “braços nus e pés no chão”, enxergar o azul do céu através do verde da floresta e cirandar na grande festa – “Eu sou pequenininho/Mas trago os meus ensinos/Eu canto é bem baixinho/Em roda dos meninos” (Mensageiro 10:1).
Ademais, o verde também é “(…) A cor da vegetação e corresponde, de modo geral, à vida e, naturalmente, à natureza do Graal. (…) No simbolismo religioso, o verde é considerado a cor do Espírito Santo ou da Anima Mundi [Alma do Mundo]; e, na linguagem dos místicos em geral é tido como a cor da divindade” (JUNG, 1980:123). A Lua…
A LUA
N’O Cruzeiro, a Lua é versejada em 10 hinos, caracterizada especificamente como “branca” no hino 01, Lua Branca, e no hino 101, No Brilho Da Lua Branca, claramente diferenciando-a da “Lua Negra” esotérica, “(…) A lua da feitiçaria, da magia negra, das drogas que envenenam e enlouquecem. (…) É a lua da embriaguez dos sentidos…” (PRAMAD, 2011: 236). Logo no primeiro hino, Mestre Irineu identifica a “lua branca” com a Mãe. E no hino 45, 4, poetiza: “A minha Mãe é tão formosa/Me dá luz e o clarão…”. O “clarão” é a capacidade de compreender a luz, ou seja, a própria iluminação! É a Lua da Sacerdotisa: “Principio Receptivo que governa o inconsciente e o lar, o esotérico e a intuição, que une o desconhecido e o conhecido, o humano e o divino” (PRAMAD, 2011: 235).
Em Apocalipse 12, 4, “O Dragão postou-se diante da Mulher que estava para dar à luz, a fim de lhe devorar o filho, tão logo nascesse”; “(…) A Mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe havia preparado um lugar que fosse alimentada por mil duzentos e sessenta dias” (Ap 12, 6); 1260 (1+2+6+0 = 9). Trata-se da Esfera Yesod (plano lunar) da Cabala, que na “Apresentação” deste site correlacionei ao hino 126 (1+2+6), Flor das Águas, a Água da Vida, a Água do Despertar. Dois mil anos após a Revelação de João, A “Lua Branca” (o divino feminino exilado) retorna ao céu de uma nova consciência. Segundo Mirella Faur em O Legado da Deusa: “Após um desaparecimento milenar, a Deusa está emergindo renovada…” (FAUR, 2003:38).
Ressurgimento que abordei no post “Apresentação”, citando o filósofo Julius Evola e sua feliz expressão “concepção ginecocrática”, o que seguramente diz respeito à Doutrina do Daime em sua origem: “(…) Resíduos do ciclo da civilização lunar, em que se reflete o tema da passividade e da dependência do homem perante o Espírito concebido sob o aspecto feminino…” (EVOLA, 1978: 40). O que se denomina de culto a Deusa Tripla (STARBIRD, 2004: 138), o Mestre – que em Irineu foi gerado por essa Força – replanta: “A Lua tem três passagens/Todas três nela se encerra/É preciso compreender/Que ela é quem domina a Terra” (64:9). “Dominar” não é tiranizar como faz o patriarcado. É a luz do luar a humanizar. Na correspondência ao mistério da cruz: a humilde imaculada que concebe em Nazaré (Mt 1: 18); a companheira que unge em Betânia (Mc 14: 3); a senhora que acolhe em Jerusalém (Jo 19: 26-27). A Virgem, a Mulher, e a Anciã perfazem a plenitude: “A minha Mãe é a lua cheia/É a estrela que me guia…” (O Cruzeiro, 40: 4). A “águia”…
A ÁGUIA
O senhor Francisco Granjeiro ao contemplar a bandeira, perguntou ao Mestre: – O que significa a águia em cima da Lua? O Mestre respondeu: – Chico, tira o acento agudo da águia e veja o que dá! (MAIA NETO, 2003:119). Se a Lua toma parte na tradição litúrgica dos judeus (“Vossas luas novas e vossas festas…” em Is 1, 14, por exemplo), a águia também pertence a essa mística, simbolizando voo alto (Abdias 1: 4); “viagem” (Êxodo 19:4); proteção (Deuteronômio 32: 11); renovação (Salmos 103: 5); refúgio (Jó 39: 27-28); agilidade (2 Samuel 1: 23); precisão (Dt 28:49); celeridade (Jeremias 4: 13) e autoridade (Oséias 8:1).
Arremato com o ótimo A Águia e a Galinha, de Leonardo Boff: “A águia representa a mesma vida humana em sua espiritualidade, na capacidade de romper com os limites, em seus sonhos, em sua capacidade de criar coisas novas, em sua potencialidade de conectar-se com outras pessoas, com o futuro, com a evolução, com o universo e com Deus” (BOFF, 2007: 13).
REFERÊNCIAS:
BOFF, Leonardo. A Águia e a Galinha: uma metáfora da condição humana. 45ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007;
CARIOCA, Jairo. Doutrina do Santo Daime: A Filosofia do Século. Monografia. Rio Branco (AC), 2000.
EVOLA, Julius. O Mistério do Graal. Lisboa: Veja, 1978;
FARIA, José Hipólito de Moura. Bases Bíblicas do Culto a Maria. Belo Horizonte: Usina do Livro Editora, 2013;
FAUR, Mirella. O Legado da Deusa. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Ventos, 2003;
JUNG, Emma; FRANZ, Marie-Louise Von. A Lenda do Graal Do Ponto de Vista Psicológico. São Paulo: Cultrix, 1980;
LELOUP, Jean Yves. O Evangelho de Tomé. 8ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2004;
MAIA NETO, Florestan J. Contos da Lua Branca. Rio Branco, AC: Fundação Elias Mansour, 2003;
PRAMAD, Veet. Curso de Tarô e Seu Uso Terapêutico. 4ª ed. São Paulo: Madras, 2011;
STARBIRD, Margaret. Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso de Alabastro. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
Respostas de 10
Incrível e maravilhoso texto.Grata por experienciar tão fina leitura.Deus sempre te abençoe prezado amigo.
Sempre agradecido pelo carinho e incentivo minha querida e linda amiga! 💜🌷
Também sou um estudioso da Doutrina do Mestre e de todas as doutrinas esotéricas. Porém me dedico mais na prática desses ensinamentos sem ter tanto tempo para interpretar as fontes, dentro de minha missão pessoal e meu tempo. Por isso admiro muito e valorizo com entusiasmo o Trabalho erudito do irmão de estudar e difundir os significados mais profundo por traz da simbologia que o Daime nos desvela e desperta e ir formando um argumento que nos mostrará eventualmente que realmente existe uma escola iniciática por traz e nos fundamentos da doutrina do Mestre que está bem amparada na providência divina e na guia e formação da nossa humanidade. Uma Escola que tem um significado muito transcendental para estes tempo da humanidade começando desde esta pátria do evangelho
Muito agradecido e honrado, prezado Apolo, com o seu comentário. Serve-me de estímulo! Bom estudos e felicidades!
Sempre especial seus textos Florestan, essa dedicação no estudo detalhado da doutrina e ainda relacionando os fatos aos demais estudos espirituais são muito bons, estudo fino. Grande abraço!
Gratidão, querido irmão. É um incentivo a mais para prosseguir! Abraço fraterno!💜
Parabens Florestan pela cuidado em manter viva a história da Doutrina do Amor. Essa da águia/a guia é ótima: só o Mestre mesmo!
Gratidão, meu amigo! Inclusive, serve-me como incentivo! Boa sorte e muita luz! Amém 🙏
Texto Divino! Fico feliz ao ver um estudo tão requintado sobre uma doutrina tão brasileira! Valoriza e reforça a força que o Santo Daime possui! Parabéns! Parabéns! Parabéns! E muito obrigada por nos presentear com esse elixir de conhecimento e dedicação!!!
Ô minha amiga, eu agradeço sua gentileza e incentivo. Trabalho para todos os amados discípulos desse mistério! Grande abraço fraterno 💕