HINO 9: MÃE CELESTIAL
EU PEÇO E ROGO
Ó MÃE CELESTIAL
QUE TUDO ENQUANTO EU TENHO
É VÓS É QUEM ME DÁ
Ó MÃE CELESTIAL
EU PEÇO E ROGO
AO PAI CELESTIAL
QUE TUDO ENQUANTO EU TENHO
É VÓS É QUEM ME DÁ
Ó PAI CELESTIAL
EU PEÇO E ROGO
Ó MÃE CELESTIAL
QUE ME DÊ A SALVAÇÃO
E ME BOTE EM BOM LUGAR
Ó MÃE CELESTIAL
Mãe Celestial e Eu Devo Pedir são hinos sequenciais não só em numeração, mas em uma ordem cabalística de ensino. O primeiro discípulo de Mestre Irineu a declarar, literalmente, o viés cabalístico do Daime, foi Raimundo Gomes da Silva. Em seu Ramalho, o filho primogênito do patriarca e baluarte Antônio Gomes da Silva, profetiza: “Os apóstolos estão chegando/Para vir nos ajudar/Para firmar esta cabala/No mundo material” (110: 3). Aqui, a palavra “cabala” poderia ser entendida em sua acepção “o que é místico, oculto, esotérico”; todavia, o senhor Sebastião Jaccoud, amicíssimo de Raimundo Gomes, a ponto de seus túmulos estarem emparelhados na frente da sede do CICLU-Alto Santo, em seu livro O Terceiro Testamento afirma que, seu dileto confrade, “conhecia os mistérios da cabala” (JACCOUD, 1992: 60-61). Vide abaixo a foto (de Altino Machado) dos túmulos. O de Raimundo Gomes está em frente ao Cruzeiro.
Será que um matuto iletrado, morando no Acre décadas atrás, estivesse igualmente falando de Cabala como sendo a famosa doutrina esotérica dos judeus? Resolvi investigar no próprio Cruzeiro e hoje não tenho dúvida de que a resposta é sim! Nenhuma surpresa dado o caráter universal – declarado no hino 97 – do hinário de Mestre Irineu, que cognomino de Evangelho de Juramidã. Ao estudar os fundamentos da Cabala para melhor compreender esse vínculo místico, julgo ter reunido elementos comprobatórios para apresentar-vos. Iniciemos pelo hino 9, Mãe Celestial.
Baseando-se na tradição testamentária judaico-cristã, uma das inovações e atualização que Mestre Irineu faz em sua boa-nova é dar a Mãe Divina o lugar de protagonista – a Senhora que, no hino 84, Ia Guiado Pela Lua, vai na proa (à frente) na canoa universal (ouro e prata, yin-yang). Essa “Mãe de Deus da criação” (12: 4) ou “Mãe Criadora”, como declara o hino 8 da Missa recebido por João Pereira, está presente no Gênesis em Elohim, que o cabalista prof. Joseph Saltoun qualifica como “(…) A inteligência interna das forças da Natureza“ (SALTOUN, 2016: 26). É atribuído a Elohim esta emblemática frase bíblica: “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança…Deus [Elohim] criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou” (Gn 1: 26-27).
Segundo a cabalista Migene González-Wippler, “(…) A palavra Elohim é plural [daí, ‘Façamos’]. Ela é composta pelo feminino singular ALH (pronuncia-se “Eloh”) e IM. Como IM é a terminação do masculino plural, quando acrescentada a um nome feminino ela transforma Elohim numa potência feminina unida a um princípio masculino, capaz então de gerar uma progênie. Neste caso, a “progênie” é o universo criado” (GONZÁLEZ-WIPLLER, 2006: 39). O que é corroborado por Mestre Irineu em uma linguagem mais objetiva, quando de forma apoteótica tributa seus hinos a Elohim: “Eu ofereço esses cânticos/Que agora se cantou/Ao Rei e a Rainha/Do universo criador” (25: 5). Ou se preferir, ao Pai e Mãe celestial glorificados em espírito de gratidão nas duas primeiras estrofes.
No entanto, a meu ver, no âmbito cabalístico, o ponto central desse hino está em seu corolário, o último versículo, quando Mestre Irineu pede a “salvação” à Mãe celestial. Para compreender o porquê, vamos a outro hinário profundamente ligado ao Cruzeiro, que atua como um divino abre-alas nos festejos de Reis, São João, Virgem da Conceição e Natal. Trata-se de Vós Sois Baliza – assim batizado por Madrinha Peregrina em 1989 – de Germano Guilherme, oficialmente declamado junto ao Cruzeiro nas datas citadas.
No que tange ao hino Mãe Celestial, especificamente ao estudo da última estrofe, inicio pelo hino 16, O Nosso Pai Foi Quem Mandou. Atenho-me especialmente aos dois primeiros versículos: “O nosso Pai foi quem mandou/Pra nossa Mãe receber/Que foi para esse dia/Que Jesus Cristo nasceu” (16: 1). O primeiro ensinamento a observar é este: “A palavra Cabala deriva da raiz hebraica Kibel, “receber”. Ela remete ao ato de “receber” segredos dos antigos místicos judeus, que os revelavam aos seus discípulos principalmente por meio de ensinamentos orais” (GONZÁLEZ-WIPLLER, 2006: 9). No hino 16: 1 recebido por Germano, a Mãe recebe do Pai e dá à luz a Jesus. Traduzindo para a linguajem cabalística, Germano nos apresenta três Sefirot da Árvore da Vida: Chokmah (Pai), Binah (Mãe Celestial) e Tiphareth (Filho).
O que é a Árvore da Vida e o que são as Sefirot? Antes revelo algo de muito importância para entendermos quem é Juramidã (nome metafísico de Mestre Irineu), e o que ele tem a ver com esse mistério. Trata-se de uma profecia do Apocalipse de João: “(…) Ao vencedor, conceder-lhe-ei comer da árvore da vida que está no paraíso de Deus” (Ap 2: 7). Quem faz a promessa é Aquele que anuncia seu “novo nome” para a Era Messiânica (Ap, 3: 12). Em uma ocasião propícia apresentarei uma teoria que sustenta Juramidã como o “novo nome” apocalíptico. O especialista no livro mais enigmático da Bíblia cristã, professor Pierre Prigent, em seu tratado O Apocalipse de São João, indica que o último livro do Novo Testamento sofreu influência da Cabala, ao citar “textos de mística esotérica judaica”, as “visões da Merkabah” (PRIGENT, 2020: 19).
Segundo um dos mais brilhantes rabinos cabalistas contemporâneos, Aryeh Kaplan, comentando sobre o Bahir, clássico cabalista do século XII que precedeu o Zohar, “Embora o Bahir seja o principal texto da Cabala, não emprega essa palavra, preferindo o termo mishnaico, Maasé Merkavá, que significa literalmente “Mistérios da Carruagem”, em referência à visão de Ezequiel [1: 15-28]” (KAPLAN, 2018: 27). De modo que, sem dúvidas, a árvore da vida do Apocalipse é a Árvore da Vida da Cabala. Juramidã nos dará de comer de seus frutos cumprindo a promessa profética de Jesus, mas em uma linguagem codificada como bem anuncia o Ramalho: “Sigo sempre o meu destino/Falando meu idioma/Só não falo português/Porque o povo anda na ronda” (102:3). A chave está no que se oculta atrás do véu da literalidade.
Isso posto, vamos conceituar com simplicidade a Árvore da Vida e as Sefirot. Inicio pelas emanações divinas, as esferas da Árvore denominadas Sefirot: “Alguns cabalistas dizem que a palavra Sefirot vem do sappir hebraico (sapphire ou “luzes brilhantes”) porque as Sefirot nos iluminam a respeito de Deus. Outros dizem que Sefirot deriva do hebraico saper (“dizer”), com o significado de que elas nos falam de Deus” (PROPHET, 2011: 47); “A palavra Sefirá [singular] é definida, sendo aquilo que expressa (Saper) o poder e a glória de Deus” (KAPLAN, 2018: 26).
Quanto à Árvore que contém as Sefirot: “A árvore da vida é análoga à do Absoluto, do universo, do homem. Suas raízes penetram fundo na terra e seus galhos mais altos tocam o mais alto do céu. O homem, ponto de contato entre o céu e a terra é uma imagem de seu Criador. Uma completa mais irrealizada árvore em miniatura…” (HALEVI, 1973: 9). A metáfora que considera árvores como homens remonta a João Batista, “O machado já está posto à raiz das árvores…” (Mt 3, 10); Jesus, “(…) Toda árvore boa dá bons frutos…” (Mt 7, 15-20); Mestre Irineu, “Laranjeira carregada de laranjas boas…” (60: 2-4), e sua sacerdotisa Maria Damião, que transmite a voz de seu Mestre plenamente realizado: “Eu sou uma árvore sombreira/Assim como um coqueiro…” (16: 1). Tradição herdada dos essênios, que “(…) Não foram os únicos a considerar as árvores da visão como homens em geral, e eles próprios em particular” (ALLEGRO, 1979: 55). Aliás, existe um hino essênio que proclama: “(…) E as árvores sobranceiras cobriram a terra. Nesse dia, os Filhos da Luz entoarão um novo cântico…” (SZEKELY, 1997: 250).
Segundo o Bahir, dito 119: “Que Árvore é essa de que falas? Todos os Poderes do Abençoado Ser Santo estão dispostos numa série de camadas como uma Árvore e, assim como uma árvore dá fruto quando é regada, também os Poderes Divinos o fazem quando carregados com a água do Abençoado Ser Santo. O que é a água do Abençoado Ser Santo? É a sabedoria” (PROPHET, 2011: 57). O Daime, a Água da Vida do Apocalipse (22: 1) é “água do Abençoado Ser Santo” que rega, limpa, poda e frutifica nossas árvores da vidas. Encerro com uma definição que muito me apraz: “A Árvore da Vida não é somente uma questão de conhecimento e de informação, mas também da passagem do mundo da ilusão para o mundo paralelo, que é chamado, segundo a Bíblia, de Paraíso” (SALTOUN, 2016: 14-15). Esse Paraíso do “mundo paralelo”, que Jesus chamava de Reino dos Céus alude ao Jardim do Éden, onde localiza-se a Árvore da Vida (Gn 2: 8-9). Lá também está plantada a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, que ocasionou a queda de Adão e Eva ao “comerem” de seu fruto proibido (Gn, 3).
Deus “(…) Baniu o homem e colocou diante do Jardim do Éden, os querubins e a chama da espada fulgurante para guardar o caminho da Árvore da Vida (Gn, 3: 24). A Árvore do Bem e do Mal, experenciada pelo livre arbítrio, é o dualismo do mundo temporal-material: “Esse dualismo material que antes não existia para Deus, não teria como conviver junto com uma realidade absoluta e eterna” (MAHARAJA, 2008: 69). O homem que se alimenta dessa Árvore está representado n’O Cruzeiro no hino 2 (dualismo), Tuperci, que, obviamente “não conhece, não aprecia e não compreende a Flor (paradisíaca) cor de Jaci, Flor das Águas. Foi preciso uma chamada ao despertar no hino 3, Ripi, para que Mestre Irineu no hino 4, Tarumim, tomasse (se apoderasse) e não apenas bebesse da Água do divino poço do Bahir, 23: “Um rei queria plantar uma árvore em seu jardim. Procurou por todo o jardim para encontrar uma fonte jorrando água que nutrisse a árvore, mas não encontrou. Disse, então: “Vou cavar para encontrar água e fazer jorrar uma fonte para nutrir a árvore”. Cavou e abriu um poço, do qual jorrava água viva. Plantou, então, a árvore, e ela vingou, dando frutos” (KAPLAN, 2018: 50).
Germano também tomou da Água do poço tarumínico e começa seu evangelho, justamente, relembrando o início de tudo, o Gênesis: No hino 1, Divino Pai Eterno, Deus forma seu mundo e habita nele com toda criação. Mas o homem peca, da consciência divina se aparta e distante permanece. No hino 2, Deus Aonde Está, inicia-se a redenção. O título do hino é uma atualização parafrástica da pergunta que Deus faz a Adão após sua “queda”: “Onde estás?” (Gn 3: 8). Adão escondeu-se por sua vergonha, e Deus ocultou-se em sua insondável sabedoria. Finalmente e felizmente, Juramidã e seus profetas deram cumprimento a Ap 2, 7: “(…) Ao vencedor, conceder-lhe-ei comer da árvore da vida que está no paraíso de Deus”. Ratifica o inestimável João Pereira: “Temos que vencer/E seremos campeão/Que o poder de Deus é grande/E a Rainha é soberana” (36: 1). “Vencer” é retornar ao caminho da Árvore da Vida e comer de seus divinos frutos e reencontrar Deus “Com tanta altura com vosso brilho de formosura” (Germano, 2); uma vez que, segundo o próprio Germano, “Pela estrada que viemos/Por ela nós temos que voltar” (16: 2). Pois, a Árvore “(…) Revela o fluxo das forças que emanam do divino até o mais baixo dos mundos e daí ascende em sentido contrário” (HALEVI, 1973: 9).
SHECHINÁ, A MÃE CELESTIAL NA TERRA
Acima, quando referenciei Germano 16, 1, citei Biná, a esfera que representa a Mãe Celestial “do Céu”, que estudaremos no próximo hino, Eu Devo Pedir. Neste hino 9, vamos nos ater a Mãe na Terra, Shechiná: “(…) Também conhecida como Matrona, é o aspecto feminino da Divindade no plano material” (GONZÁLEZ-WIPPLER, 2006: 41). Segundo a autora, usando outra grafia para a palavra, “Shekinah também corresponde ao Espírito Santo” (p. 33). Balizando-me em Germano 16, 2 (recém-citado), viemos como espíritos e encarnamos. Pelo luz do Espírito, reconhecemos o caminho por onde viemos. Pelo ventre de uma mãe neste mundo nascemos. Através da Grande Mãe, indissociada do Espírito Santo, renascemos: “Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3: 5). De Germano ao Gêmeo (Tomé) e seu Evangelho, dito 101: (…) Porque minha mãe me gerou, mas minha Mãe verdadeira me deu a Vida” (ROHDEN, 2005: 125). Para os cristãos gnósticos, a “Mãe verdadeira” é Sophia, Sabedoria ou Mãe Divina, que é o mesmo Espírito Santo (LELOUP, 2004: 192).
SHECHINÁ E A SEFIRÁ MALCHUT
A palavra malchut está no Pai-nosso em aramaico, oração que Jesus aprendeu com seu mestre João Batista, de acordo com Lucas 11: 1-4. Segundo o prof. Fábio Rodrigues em seu livro Pai-Nosso em Aramaico Súriston, “A fonte secreta de seus ensinos está contida no que chamamos língua morta, o aramaico galileu” (RODRIGUES, 2023: 4). Segundo o autor, a palavra malchut está presente na segunda petição (são 7) do Pai-nosso em aramaico: “Tethé malchutákh (Venha teu Reino)” (p. 25). Na versão de Migene González-Wippler baseando-se na grafia publicada pelo profícuo teólogo James H. Charlesworth: “Tihteh malkutukh” (GONZÁLEZ-WIPPLER, 2006: 124). Malchut é assim definido pelo rabino Ariel Bension: “Em hebraico, reino. Décima Sefirá da Árvore da Vida” (BENSION, 2006: 322). Onde estava o “Reino” de Jesus?
Dentro do conceito de “mundo paralelo” da Árvore da Vida muito bem colocado (acima) pelo prof. Joseph Saltoun, Jesus disse segundo a tradução da Bíblia de Jerusalém: “A vinda do Reino de Deus não é observável. Não se poderá dizer : ‘Ei-lo aqui! Ei-lo ali!”, pois eis que o Reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17: 20-21). A tradução da Nova Versão Internacional finaliza o versículo trocando “meio” por “entre” (BÍBLIA, 2004). A tradução João Ferreira de Almeida arremata o versículo traduzindo “dentro de vós” (BÍBLIA, 2007). A variação de tradução “no meio”, “entre” ou “dentro” é secundária ao que é mais importante: o “Reino” (Malchut) está disponível na Terra, aqui e agora. Nas palavras do prof. Rabino Joseph Saltoun, a quem agradeço publicamente pela gentileza de responder meus e-mails e – para minha surpresa – elogiar a missão de Mestre Irineu, “Por que não flutuamos? Porque temos que viver na Terra, porque a Terra é ligada a Sefirá Malchut” (SALTOUN, 2016: 131). Jesus quando falou no Reino em Lucas 17: 20-21 (citação acima), estava se referindo à Malchut, como está bem claro no Pai-nosso aramaico que acabamos de ver. Malchut encerra Shechiná, “(…) O aspecto feminino de Deus” (SEIDMAN, 2005: 162).
Sobre esse Poder, diz o Zohar: “Este espírito mora na esfera Malchut, como a Rainha” (BENSION, 2006: 158). Confirma a cabala de Germano 33, 1: “Estou na Terra estou na Terra/Minha Mãe é quem domina/Ela é minha protetora/Ela domina e é Rainha”. Esse Espírito no cristianismo gnóstico revela-se “(…) Como a anima mundi, o “espírito do mundo”, também conhecido como Sofia…”e “(…) permanece como intermediário entre o mundo superior de Deus e o mundo inferior do homem” (HAAG, 2018: 211). A intermedição é ensinar a compreender a sabedoria do Pai através do Filho.
Portanto, ao final do hino 9, Mestre Irineu pede a salvação a sua Mãe, ou como reza o Zohar: “Sabei que o caminho que conduz a Árvore da Vida é a Senhora!” (BENSION, 2006: 99). E quem ensina a encontrá-lo é seu Filho amado. Isaías 11: 1, na tradução de Lutero, profetiza: “Do tronco de Jessé nascerá um rebento, e de sua raiz brotará uma flor sobre a qual repousará o Espírito”. Conclui o próprio Lutero: “O “tronco” ou a “raiz” é a geração de Jessé ou David, especificamente a virgem Maria. O “rebento” ou a “flor” é Cristo” (LUTERO, 2015: 15). Uma vez mais, a cabala de Germano 12: 1 confirma: “Senhora Mãe santíssima/O seu jardim Deus preparou/Colocou seu bento Filho/Ela é a Árvore Ele é a Flor”. O Evangelho de Felipe, riqueza de Nag Hammadi, diz em seu dito 92: “A Árvore da Vida está no centro do Paraíso – a oliveira da qual se originou a unção. Por meio dela vem a ressurreição”! (WELBURN, 1991: 198).
O HINO 9 E A SEFIRÁ 9 (YESOD/LUA)
Lembrando a afirmação imperativa de Mestre Irineu no hino 102, 2, “Aqui tem muita ciência que é preciso se estudar”, sigamos neste destrinchar e desdobrar. Yesod está logo acima de Malchut, como a lua sobre a noite escura da Terra, pois é em Malchut (mundo físico) “(…) A dimensão em que existe mais escuridão…” (SALTOUN, 2016: 117). O Cruzeiro ratifica: “Ninguém trata de aprender/Só se levam na ilusão/Aqui mesmo neste mundo/Está no mar da escuridão” (16: 5). “É por isso que se diz que o nosso mundo está envolto em trevas. Por essa razão, o primeiro Caminho que deve ser percorrido na subida pela Árvore é o 32, que liga a décima e a nona Sephiroth. (…) Ele então é capaz de dissipar as trevas de Malchut e recebe a luz prateada da Lua de Yesod” (GONZÁLEZ-WIPPLER, 2006: 74). Agora, melhor compreendemos por que a iletrada e sábia viagem pelo mar de Sophia (O Cruzeiro) começa no hino Lua Branca: “Deus te salve ó lua branca/Da luz tão prateada/Tu sois minha protetora/De Deus tu sois estimada” (1: 1).
Igualmente, torna-se mais compreensível a exatidão da sequência dos hinos 100 e 101. No 100, Eu Sou Filho da Terra [Malchut], vive-se nas “matas sombrias”, e no 101, No Brilho da Lua Branca (Yesod), “Doutrinar a quem quiser/Neste caminho a seguir”(101: 1). A senha é dada no arremate do hino 100, fazendo a transição para o 101: “Seguindo na linha direita/É muito fácil de encontrar” (100: 3). A linha “direita”, que aceita a acepção “vertical e direta”, seria o Caminho 32 que liga Malchut-Terra (hino 100) à Yesod-Lua (hino 101) – vide o último diagrama.
Por que Yesod é considerada “fundamento”? Porque é “(…) A consciência básica ou fundação do nascimento espiritual” (HALEVI, 1973: 45). Enquanto Malchut corresponde aos pés, Yesod corresponde aos órgão reprodutores (GONZÁLEZ-WIPPLER, 2006: 63). Assim, “Ao controlar o atributo de Yesod, diz Kaplan, os justos são capazes de penetrar em reinos espirituais e alcançar uma união íntima com Deus” (PROPHET, 2011: 106-107). É o que diz o Apocalipse: “Felizes os que lavam suas vestes [purificam seus corpos] para terem poder sobre a Árvore da Vida e para entrarem na Cidade pelas portas [Malchut e Yesod]” (Ap 22: 14). Torna-se mais claro por que o hino Flor das Águas traz Yesod (1+2+6), a quem justamente se atribui o elemento água: “A morada do meu Pai/É no coração [fundamento] do mundo/Aonde existe todo amor/E tem um segredo profundo”. Tem uma dieta a cumprir (Hino 104) para nessa Esfera adentrar, pois o Caminho sagrado não admite profanação; do contrário, em vez de um iluminado, a Lua irá parir um lunático. Testemunha dos leitos nupciais, em tradições místicas antigas a Lua é a guardiã do sêmen-vida (JUNG, 2011: 375). Além de ser a Sefirá da água e todos os líquidos, incluindo o vinho – por isso é a Mãe quem desperta o Filho nas Bodas de Caná -, “Ela também está ligada às ilusões e tentações” (GONZÁLEZ-WIPPLER, 2006: 142).
Assim, logo entendemos por que Mestre Irineu disse, segundo Percília Matos, ser a reza a maior das obrigações para quem toma o Daime. Jesus cita o “gargalo” (onde a Árvore se constringe) Malchut-Yesod na parábola da porta estreita: “Entrai pela porta estreita, porque largo e espaçoso é o caminho que conduz a perdição. E muitos são os que entram por ele. Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à Vida [Árvore da]” (Mt, 7: 13-14). Aqui, somado a tudo que vimos, justifica-se sobremaneira o pedido feito no último versículo deste hino 9 e que servirá de transição para o hino 10: “Eu peço e rogo/Ô Mãe celestial/Que me dê a salvação/E me bote em bom lugar/Ô Mãe celestial”.
HINO 10: EU DEVO PEDIR
Como no hino 9, a numerologia do hino 10 não é aleatória, pois indica justamente a Sefirá 10, Malchut, que está relacionada no corpo físico aos pés, aos pés de quem pisa na Terra e anseia e pede a luz de Deus, pois “A Sefirá Malchut representa o desejo completo ou o desejo mais ambicioso de receber mais luz – esse é o papel de Malchut” (SALTOUN, 2016: 115). Complementa a cabalista Elizabeth Clare Prophet: “Malkhut também é o portal por onde precisamos passar ao começarmos a nossa subida da escada das Sefirot, de regresso a Ein Sof [O Ilimitado]. É através dela que podemos começar a acessar o poder de Deus na Árvore da Vida” (PROPHET, 2011: 56). A propósito, Ein Sof está No Infinito do Astral, hino 30 de Germano: “Do infinito do astral, a vossa luz faz as estrelas brilhar…” (30: 1). Esse fenômeno místico titula duas das três principais obras cabalísticas: o Bahir e o Zohar – a outra é o Sêfer Ietsirá. Nas palavras de Rabi Aryeh Kaplan: “Um ponto interessante é o fato de que os nomes de ambos, o Bahir e o Zohar, encerram uma conotação de luz e brilho” (KAPLAN, 2018: 24).
Em verdade, como explicitado no hino 9, o Mestre estando em Malchut -Terra-Reino, inicia a subida pela Sefirá 9, Yesod; entretanto, como neste hino 10 ele não decanta a Árvore de baixo para cima, Yesod está na última estrofe, como estudaremos à frente: “Vejo a Lua nas alturas…”. Portanto, o hino apresenta a Árvore da Vida de cima para baixo como veremos na sequência dos versículos.
EU DEVO PEDIR
A QUEM PODE ME DAR
PAPAI ME DEU
SOU EU SOU EU
O Mestre Inicia por onde deve iniciar, o Começo, a Sefirá 2, Chochmá (o Pai), pronuncia-se “rrorrmá”, que em hebraico significa sabedoria (BENSION, 2006: 12, 316). A primeira pergunta que surge: embora sendo a Sefirá 2, por que é chamada de Começo? “(…) Os cabalistas a chamam “começo” porque “Keter [Sefirá 1] é eterna e não tem princípio” e porque Hokhmah [outra grafia] “é o primeiro raio da luz divina a aparecer fora de Keter” (PROPHET, 2011: 64). Nas palavras do prof. Joseph Saltoun: “Para nós, a primeira fase, Chochmá, é a manifestação da semente em nossa consciência” (SALTOUN, 2016: 134). É o que Mestre Irineu revela: “Papai me deu/Sou eu sou eu”, afinal, segundo a precisa explicação do rabino Ariel Bension: “A Sabedoria, o Zohar nos diz, é o espelho límpido da Majestade de Deus” (BENSION, 2006: 55) – “Sou eu, sou eu” espelha Deus! Complementa o Rabi Arieh Kaplan: “Uma vez que Chochmá-Sabedoria representa a nossa mais elevada percepção do Divino, é a abertura de Deus para Se revelar” (KAPLAN, 2018: 199). Sobre Chochmá ser o Começo, acrescenta o Bahir, dito 3: “A palavra “princípio” (Reshit) não é outra senão a Sabedoria. Está, portanto, escrito (Salmos 111: 10): “O princípio é a sabedoria, o temor a Deus” (KAPLAN, 2018: 40). O Salmo 111: 10 na íntegra em uma tradução do hebraico diretetamente para o português: “O temor ao Eterno e a plena compreensão de seus mandamentos são a base da sabedoria” (BÍBLIA, 2006). A fim de fazer a transição para a segunda estrofe do hino sintonizado aos ensinos cabalísticos, finalizo a Esfera Chochmá com a citação contida no dito 49 do Bahir: “(…) (Provérbios 4: 7): “O princípio é Sabedoria: adquire Sabedoria; com todos os teus ganhos, adquire compreensão” (KAPLAN, 2018: 62)…
MAMÃE ME ENSINA
EU DEVO APRENDER
NA ETERNIDADE
É QUEM PODE ME VALER
O Pai inocula a semente do saber, mas é a Mãe quem faz compreendê-lo, a educadora por excelência! Trata-se de Biná, que em hebraico significa inteligência (BENSION, 2006: 315). Este é um ensino básico da Cabala: “Enquanto a sabedoria é a qualidade de Chokmah, a compreensão é a qualidade de Binah. Sabedoria sugere conhecimento total e infinito, enquanto compreensão denota a capacidade de aprender os conceitos da sabedoria. O Pai sabe tudo, mas a Mãe compreende tudo” (GONZÁLEZ-WIPPLER, 2006: 59). Complementa o prof. Shimon Halevi: “Ela [Biná] transforma pela inteligência receptiva, as comunicações em princípios compreensíveis”; “Com entendimento [Biná], as palavras do mestre são ordenadas em forma de preceitos” (HALEVI, 1973: 35, 126).
A lógica cabalista no início d’O Cruzeiro mostra claramente que, sem Biná/Ìyá Ìyá (Sefirá 3 e hino 3), Chochmá (Sefirá 2) será eternamente Tuperci (hino 2), o ser incapaz de compreender! Nas palavras do mestre Arieh Kaplan: “A menos que seja compreendida, a Sabedoria não tem significado, enquanto por intermédio da Compreensão, pode-se conceder sabedoria a outra pessoa” (KAPLAN, 2018: 183). É o que Mestre Irineu testemunha: “A minha Mãe que me ensinou/Dentro do meu coração/É quem me dá esta verdade/Para expor aos meus irmãos” (21: 2). E no hino 30: “A Virgem Mãe foi quem me deu/Para ensinar os meus irmãos…”.
Assim, o homem Irineu se legitima Mestre, e no hino seguinte, 31, Papai Samuel, o portador da unção davídica, alcança a Sefirá 1, Keter-Coroa: “Pisei no primeiro degrau/Para seguir com firmeza/Dentro do meu coração/O primor tanta beleza…” (31:3), para logo depois receber seu bastão no hino 33, homenageando a eterna Sabedoria (Papai Velho) e a eterna Inteligência que faz compreendê-la (Mamãe Velha). Voltaremos à Keter à frente, pois a introduzi brevemente a fim de fazer a transição à terceira estrofe, pois “Keter-Coroa faz surgir Tiferet-Beleza” (KAPLAN, 2018: 189). Realçando no hino 31, “o primor” (Keter) e “tanta beleza” (Tiferet), pois “o que ocupa o primeiro lugar” é a etimologia latina da palavra primor (PRIMOR, 2009). De onde igualmente surge a primazia, que Mestre Irineu denomina “primozia”, a dignidade ou cargo do primaz, o divino primado e sua consciência onisciente: “Sigo a minha viagem/E dentro desta primozia/Tudo tudo é verdade/No reino da soberania” (109: 3).
Em resumo, citei brevemente a Sefirá 1, Keter (Coroa), e mais detalhadamente, a 2, Chochmá (Sabedoria), e a 3, Biná (Compreensão). “Consequentemente, Chochmá-Sabedoria faz surgir Chessed-Amor [Misericórdia]; Biná-Compreensão faz surgir Guevurá-Força [Justiça]” (KAPLAN, 2018: 189). Visualizando o próximo diagrama da Árvore (ao final do parágrafo), temos a Sefirá 4, Chessed, e a 5, Guevurá. Onde, n’O Cruzeiro, temos um exemplo de aplicação dessas Sefirot? “Dou licença (Chessed) e dou pancada (Guevurá)/Aqui eu faço a minha justiça/Precisa nós acabar/Com o correio da má notícia” (78:6); nas palavras do Zohar: “Quando os pecados do homem são grandes, Deus deixa o Trono de Misericórdia e senta-Se no Trono de Rigor” (BENSION, 2006: 90). Sigamos para a Sefirá 6, Tiferet. “(…) Como Tiferet-Beleza é a síntese entre Chessed-amor e Guevurá-Força [Justiça], é, em geral, representado abaixo desses dois” (KAPLAN, 2018: 190). Precisamente, Mestre Irineu acessa a dimensão de Tiferet no hino 41: “Vou chamar a Estrela d’ Água para vir me iluminar… Dai-me força (Guevurá) e dai-me Amor (Chessed)” (41: 1-2-5). Alcançou…
DOS RAIOS DO SOL
É QUE ME VEM A LUZ
NÃO DEVO ESQUECER-ME
DO NOME DE JESUS
Eis uma boa síntese dessa Sefirá que se localiza no centro da Árvore: “Tiphareth recebe o número 6 e sua cor é o amarelo. (…) Suas imagens telesmáticas [que se atribui força mágica] são uma criança, um rei majestoso e um deus sacrificado. Sua correspondência física é o peito. Esta Sephirah tem relação com o Sol e Jesus Cristo” (GONZÁLEZ-WIPPLER, 2006: 61). “Eu não devo esquecer-me do nome de Jesus”, porque a gematria do Nome Santo nos levará ao retorno do Messias com seu novo nome apocalíptico (Ap 3, 12). Vejamos, penetrando na alma do Sagrado Nome do Mestre galileu: “Significa “Y-H-V-H salva” (Mt 1.21)” (STERN, 2008: 294). A seguir, a gematria, método cabalístico de explicar as escrituras judaicas por meio do significado criptográfico numérico de suas palavras. Segundo o rabino Aaron Leib Raskin, “Um dos grandes nomes de D’us é o Nome de Quatro Letras [YHVH], o Tetragrama, ou Nome Inefável. A gematria do yud (= 10), o Hei (= 5), o Vav (= 6) e o Hei (= 5) totaliza 26…” (RASKIN, 2022: 5).
Onde chegamos? No hino 26, Leão Branco! Outra profecia apocalíptica cumprida por Juramidã: “(…) Não chores! Eis que o Leão da tribo de Judá, o Rebento de Davi, venceu para poder abrir o livro e seus sete selos” (Ap 5: 5). Segundo o prof. Pierre Prigent: “(…) Aquele que pode abrir o livro está presente, é o messias profetizado em Gn 49, 9 (o leão de Judá) e em Is 11, 10 (o rebento da raiz de Jessé, pai de Davi, daí a menção a este último no texto)” (PRIGENT, 2020: 247). Carl Gustav Jung em seu Símbolos da Transformação, complementa: “(…) O Messias é “um leão da tribo de Judá”” (JUNG, 2011: 398).
E por que o Leão é Branco? Escrituras judaicas pós-Bíblia Hebraica, “(…) Descrevem o Messias como tendo “perdão e clemência” em seu discurso, que também está refletido no contexto precedente: “Quando Ele perdoar Israel, Ele colocará um traje branco, como está dito: ‘Sua veste era branca com a neve’ (Daniel 7:9)”” (FLUSSER, 2001: 65). Ademais, se o amarelo é a cor solar de Tiferet, branco (brilho) é a cor de Keter, a Coroa (GONZÁLEZ-WIPPLER, 2006: 55). Reza o Zohar: “Os profetas, os poetas, os visionários e os místicos, quando se sentem possuídos pelo Espírito Divino e seus olhos espirituais não veem senão a brancura de um espelho, são capazes de se abstraírem deste mundo material e se veem subindo às alturas, à música da melodia divina”” (BENSION, 2006:164). E o que se testemunha em Keter?
AS ESTRELAS PEQUENINAS
SUAS LUZES INCANDESCENTES
SÓ DEUS SÓ DEUS
SÓ DEUS ONIPOTENTE
“Outro título dado à Keter é o de Primeiros Remoinhos, o que implica a atividade de energia cósmica no momento da criação”. Estamos vivenciando a Coroa, que no corpo físico corresponde ao chacra coronário, localizado no topo da cabeça (GONZÁLEZ-WIPPLER, 2006: 55, 57). Temos mais uma profecia apocalíptica realizada. Se em Ap 2, 7, como vimos, o vencedor se alimenta da Árvore da Vida, em Ap 2, 10, recebe a “coroa da vida”. O que é vislumbrado pelo profeta Daniel (12, 3): “Os que são esclarecidos resplandecerão, como o resplendor do firmamento; e os que ensinam a muitos a justiça serão como as estrelas, por toda a eternidade” – realização declarada no hino As Estrelas: “As estrelas já chegaram/Para dizer o nome seu/Sou eu, sou eu, sou eu/Sou eu um filho de Deus” (75: 1).
Em Tiferet está o Filho Solar, o “Principe da Paz” (KAPLAN, 2019: 180). Em Keter, ele é coroado. Revela-se o “Principe Ancião” de João Pereira, outra vez e de forma absolutamente coerente no apocalíptico hino 36, Temos Que Vencer. Por que o Príncipe é “Ancião”? Porque “Ancião dos Anciões” é um dentre os vários títulos conferidos à Keter (GONZÁLEZ-WIPPLER, 2006: 55). Outro nome é “o Santo Ser Antigo” (PROPHET, 2011: 62) – Velho Juramidã. Segundo o Zohar: “Ele que é o Ancião dos Anciões, o Mistério de todos os Mistérios… Ele tem uma certa forma conhecida, e, mesmo assim, Ele nos é desconhecido. Sua vestimenta nos aparece como branca; seu aspecto brilhante” (BENSION, 2006: 81). O divino Zohar continua: “Deus é o Mestre no manto branco [Leão] e de Rosto resplandecente” (p. 89).
O caminho de Tiferet à Keter é o 13 (vide última imagem), o caminho da Estrela d’Alva, hino 13, pois “Tiferet é a alvorada da vida. Nessa altura a natureza já atingiu seu zênite. A natureza essencial já assumiu o comando do corpo…” (HALEVI, 1973: 154). Por isso, no epílogo do Apocalipse, antes de disponibilizar a “água da vida” (v. 17), Jesus diz: “Eu sou o rebento da estirpe de David, a brilhante Estrela da manhã” (Ap 22: 16). E a voz profética da epístola atribuída a Pedro, anuncia: “Temos, porém, por mais firme a palavra dos profetas, à qual fazei bem recorrer como a uma luz que brilha em lugar escuro, até que raie o dia e surja a Estrela d’alva em nossos corações” (2 Pe 1: 19).
O tempo chegou e o “dia” raiou! Ao alcançar, no hino 13, “o dia, seu resplendor” – de acordo com a sinonímia bíblica que considera o dia como a Luz (Gn 1: 5) -, Mestre Irineu realiza as Sefirot 7 (Netzach-Vitória) e 8 (Hod-Glória), “(…) Envolvidas na profecia e visão mística” (KAPLAN, 2019: 166) – “Vejo a Lua nas alturas…”. Finalmente, gradualmente descendo na Árvore, chegamos novamente na Sefirá 9, Yesod-Lua, enaltecida por quem está na Sefirá 10, Malchut-Terra-Reino, o número que titula o hino.
VEJO A LUA NAS ALTURAS
SUA LUZ SEU RESPLENDOR
O MEU AMOR EU EMPREGO EM TI
E EM JESUS CRISTO SALVADOR
O anjo de Yesod é Gabriel. “Gabriel é Gravri El: “A Força de Deus” (KAPLAN, 2019: 179). Inspirado pela Mãe dos Poetas, Lucas, o culto médico de Antioquia, eterniza seu poema de concepção mística, que, em uma época na qual os autores se valiam do artifício mítico e lendário, não foi escrito para ser entendido literalmente: “(…) O anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia… Eis que conceberás no teu seio… o chamarás com o nome de Jesus… e o Senhor Deus lhe dará o trono de David… O Espírito santo virá sobre ti… por isso o Santo que nascer será chamado Filho de Deus. (…) Disse, então Maria: “Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo tua palavra”” (Lc 1: 26-38). O Cruzeiro retrata a cena através de sua genial singularidade: “O sonhar é uma verdade/Igualmente a luz do dia/Reparem neste mundo/O sonho da virgem Maria” (57: 5). Se Lucas não escreveu fundamentado na literalidade, Mestre Irineu também não o fez. Observem que não há nenhum sonho – literalmente falando – por parte de Maria (apenas por parte de José em Mt 1: 20-21), tanto em Lucas quanto em Mateus, que são os únicos Evangelhos a retratar as histórias da infância de Jesus.
Então, o quê? Estudando as acepções esotéricas e figuradas do verbo sonhar é possível compreender o sentido do “sonho da Virgem Maria”. O primeiro é o sentido cabalista, que considera o sonho pertencente ao domínio da Sefirá Yesod-Lua: “A fábula conta que Selene, deusa da Lua, embora governante do reino de Pan, amou Endimion, o pastor, que representa a humanidade. Contudo, ela só podia amá-lo em seus sonhos, atingi-lo durante seu sono – ou a Sefirá de Yesod” (HALEVI, 1973: 52). O segundo sentido é o de “visão transcendente”. O psiquiatra Stanislav Grof considera o sonho, “(…) Um estado alterado da consciência, onde o mundo onírico se nos pode abrir e representar realidades transverbais, assim como levar-nos a novos planos cartográficos da mente, carregados de grande sutileza” (BLASCHKE, 2009: 155). O terceiro sentido é a acepção que traduz sonho como “desejo e imaginação” (SONHAR, 2009): “Disse então Maria: Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo ausentou-se dela” (Lc 1: 38). Pois, justamente, Yesod-Lua é a esfera que “(…) Concede fertilidade, visões astrais…” (GONZÁLEZ-WIPPLER, 2006: 63). E é também o “reino da imaginação” (HALEVI, 1973: 52-53).
O que imaginamos e desejamos (esfera de Yesod) materializa-se em Malchut, Terra. Estão lembrados que, ao finalizar o estudo do hino 9, reverenciei que o primeiro caminho ao se penetrar no Reino (Malchut (10)) é o de número 32, que liga a Terra à Lua? O que diz o hino 32 d’O Cruzeiro, que se localiza entre o hino da conquista de Keter (31) e o 33, o hino da esfera 6, Tiferet, onde o “Filho do Rei de amor” recebe o bastão? “Cantei hoje, eu cantei hoje/Cantei hoje com alegria/Porque tenho uma esperança/De ver a Virgem Maria” (32: 1). No início de sua epopeia o noviço Irineu vê, segundo a versão de Luiz Mendes do Nascimento, “(…) Dentro da Lua, uma Senhora sentada numa poltrona, muito formosa e bela” (REVISTA DO CENTENÁRIO, 1992: 14). Desde longínquas civilizações, a Lua também é conhecida por “Rainha do Céu” sendo inseparável do Espírito Santo (JUNG, 2011: 123, 168).
Neste último versículo do hino 10, o bardo maranhense declama à Lua, lindamente: “O meu amor eu emprego em ti”; no hino 32, 2: “A Rainha me chamou/Para mim seguir com ela/Para eu amar com firmeza/Para eu ser um filho dela”. Amor semeado (“empregado”) na Lua-Yesod gerará e frutificará amor em Malchut-Terra, porque através da Mãe-Lua-Yesod o que for pedido, buscado, imaginado e desejado, o Pai dará: “Para eu ser um filho dela/Ter força para ensinar/O divino Pai do Céu/O que eu pedir ele me dá” (32: 3). Esse ato de “empregar amor” realiza-se inicialmente no pensar (imaginar, desejar): “Firmeza no pensamento/Para seguir neste amor/Aqui dentro da verdade/Ela mostra o seu valor/A minha Mãe que me ensinou/Com o nome de Jesus/É quem nos mostra esta verdade/É quem nos dá a santa luz” (83: 2-3).
Assim, nesta última estrofe do hino 10, o amor é igualmente aplicado em Jesus Cristo Salvador, o Mestre que o caminho da Árvore da Vida ensinou: “Entrai pela porta estreita, porque largo e espaçoso é o caminho que conduz a perdição. E muitos são os que entram por ele. Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho que conduz à Vida [Árvore da]” (Mt, 7: 13-14), e ao exilado de Patmos profetizou: “(…) Ao vencedor, conceder-lhe-ei comer da Árvore da Vida que está no paraíso de Deus” (Ap 2: 7). Cumprido em Juramidã! Amém.
O HINOS 9 E 10 E A PARÁBOLA PROFÉTICA DA POSSE DO REINO (Mt 25: 31-46).
Automaticamente, Mestre Irineu cumpre outra profecia, que faz parte do que denomino profecias apocalípticas de Jesus, predições que se encontram nos quatro Evangelhos. Neste texto do site, resumo a profecia, frisando a relação dela com Yesod, a Sefirá que finaliza o hino 10, aguardando oportunidade de uma versão física (livro) para aprofundar todos os significados da parábola. Editando-a: “Quando o Filho do Homem vier em sua glória, e todos os anjos [lit. mensageiros] com ele, então se assentará no trono da sua glória [Tiferet-Keter]. (…) Então dirá o rei aos que estiverem sentados à sua direita: ‘Vinde benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo” (Mt 25: 31-34).
Traduzindo a linguagem cabalística de Jesus: “fundação” ou “fundamento”, como vimos acima, em hebraico é Iessód (BENSION, 2006: 321). Ou seja, Yesod é a Sefirá a partir da qual o Reino torna-se acessível ao mundo (Malchut) – reitero o porquê de O Cruzeiro – o evangelho que Jesus não escreveu, mas que no livro do Apocalipse prometeu – iniciar com o hino Lua Branca! Mas só para os que tomarem assento à direita, a coluna da misericórdia na Árvore da Vida (vide primeiro diagrama do hino 10). Aqueles que recolhem o dedo acusador e estendem a mão acolhedora e conciliadora, pois além da pureza que Yesod exige – “Felizes os puros de coração, porque verão a Deus” -, “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” e “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5: 7-9). Amém.
ARTE DA IMAGEM: Thálita Vanessa Pinheiro (@taalitavanessa).
REFERÊNCIAS:
ALLEGRO, John M. O Mito Cristão e os Manuscritos do Mar Morto. Sintra, Portugal: Publicações Europa-América, 1979;
BENSION, Ariel (Org.). O Zohar: O Livro do Esplendor. São Paulo: Polar, 2006;
BÍBLIA. Português. Bíblia Hebraica: baseada no hebraico e à luz do Talmud e das fontes judaicas. São Paulo: Sêfer, 2006;
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém: Nova Edição, Revista e Ampliada. São Paulo: Paulus, 2002;
BÍBLIA. Português. Bíblia de Referência Thompson: Antigo e Novo Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Editora Vida, 2007;
BÍBLIA. Português. Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2004;
BLASCHKE, Jorge. Mentiras do Cristianismo: contradições e falsidades da Bíblia. Lisboa, Portugal: Editorial Estampa, 2009;
FLUSSER, David. O Judaísmo e as Origens do Cristianismo, Volume 1. Rio de Janeiro: Imago, 2001;
GONZÁLEZ-WIPPLER, Migene. Jesus e a Cabala Mística: Chaves para o Reino. São Paulo: Pensamento, 2006;
HAAG, Michael. Maria Madalena: Da Bíblia ao Código Da Vinci: Companheira de Jesus, deusa, prostituta, ícone feminista. Rio de Janeiro, Zahar, 2018;
HALEVI, Shimon. A Árvore da Vida (Cabala). São Paulo: Editora Três, 1973;
JACOOUD, Sebastião. O Terceiro Testamento: Um Fato Para a História. Goiânia: Página Um Editora, 1992;
JUNG, Carl Gustav. Símbolos da Transformação. 7ª. Ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2011;
KAPLAN, Aryeh. O Bahir: o livro da iluminação. São Paulo: Polar, 2018;
LELOUP, Jean-Yves.(Tradução e comentário). O Evangelho de Tomé. 8ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2004;
LUTERO, Martim. Magnificat: O Louvor de Maria. Aparecida, SP: Editora Santuário; São Leopoldo, RS: editora Sinodal, 2015;
MAHARAJA. Gênesis – Palavra por Palavra: primeira parte: a criação, capítulos 1 a 7. São Paulo: Ed. do Autor, 2008;
PRIGENT, Pierre. O Apocalipse de São João. São Paulo: Edições Loyola, 2020;
PRIMOR. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2009;
PROPHET, Elizabeth Clare. Cabala: O caminho da Sabedoria. 7ª ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2011;
RASKIN, Rabino Aaron L. A Luz das Letras. São Paulo (SP): Editora Lubavitch, 2022;
REVISTA DO CENTENÁRIO: edição comemorativa – 100 anos do Mestre Irineu. Rio de Janeiro: Editora Beija-flor, 1992;
RODHEN, Huberto. (Tradução e comentário). O Quinto Evangelho: A Mensagem do Cristo – Apóstolo Tomé. São Paulo: Martin Claret, 2005;
RODRIGUES, Fábio. Pai Nosso em Aramaico Súriston. Joinville (SC): Clube de Autores, 2023;
SALTOUN, Joseph. Árvore da Vida: a arte de viver segundo a Cabala. 3ª ed. São Paulo: Instituto Meron, 2016;
SEIDMAN, Richard. O Oráculo da Cabala: ensinamentos místicos das letras hebraicas. São Paulo: Pensamento, 2005;
SONHAR. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Objetiva, 2009;
STERN, David H. Novo Testamento Judaico. 2ª Ed. São Paulo: Vida, 2008;
SZEKELY, Edmond B. O Evangelho Essênio da Paz. São Paulo: Editora Pensamento-Cultrix, 1997.
WELBURN, Andrew. As Origens do Cristianismo. São Paulo: Best Seller, 1991.
Respostas de 2
Estudo fino. Gratidão, muito esclarecedor seu texto. Damos graças a vida
Saúde e paz 🌍
Agradeço, de coração, sua presença! Boa sorte!