O bastão, o cajado, é um emblema bíblico-místico de chefia, poder, sabedoria e cura. Jacó adorou apoiado na ponta de seu cajado (Hb 11:22). A Aarão, primeiro sumo sacerdote de Israel, foi dado um bastão (Nm 17:18). O bastão de Esculápio ou Asclépio relaciona-se à cura e é usado como insígnia na medicina. Conta-se que, o deus, quando viveu como homem, reanimou um morto (JUNG, 2011: 285). O deus egípcio Thot (Hermes), personificação do conhecimento, palavra e magia, também empunha um bastão (caduceu) em sua mão direita, encarnando o “protótipo do Filho” (DURANT, 2002: 288). Segundo Êxodo 15:6: “A tua destra, ó Senhor, é gloriosa em poder…”. Raimundo Gomes, filho do baluarte Antônio Gomes, em seu Ramalho (103:4), hinário canônico do CICLU-Alto Santo, decanta: “Recebi da mão direita um ofício para mim…”
Uma das representações mais populares de São José na arte sacra de Minas Gerais, apresenta-o portando, em sua mão direita, um cajado (ou vara) florido na extremidade. O fato alude a Isaías (11:1-2), que profetiza um ramo brotando da raiz de Jessé (Pai de David) e de cujo tronco sairia uma flor sobre a qual repousaria o Espírito do Senhor (COELHO, 2017: 76). Corrobora a interpretação, a historiadora Margaret Starbird: “(…) O cajado florido da raiz de Jessé é a promessa messiânica descrita em Isaías 11:1” (STARBIRD, 2004: 129). Na interpretação de Lutero: “O “tronco” ou a “raiz” é a geração de Jessé ou David, especificamente a virgem Maria. O “rebento” ou a “flor” é Cristo”” (LUTERO, 2015: 15). O primeiro discípulo de Mestre Irineu, Germano Guilherme, faz a mesma leitura em sua boa-nova: “Senhora Mãe santíssima/O seu jardim Deus preparou/Colocou seu bento filho/Ela é a Árvore, Ele é a flor” (12:1).
A divina intimidade entre a Mãe e o Filho faz recordar as Bodas de Caná: “- Meu filho, eles não tem mais vinho…” (Jo 2:3). Por volta de 1914, o jovem Irineu, noviço no santuário da floresta, toma o “Vinho das Almas” e reencontra a Senhora das Bodas. A sacerdotisa Maria Damião, cofundadora da base de ensinos daimista, relembra o vínculo eterno em um anúncio: “O tempo chegou feliz daqueles/Que seguiu e gravou este amor/A minha Mãe há muito tempo/Os ensinos para todos ela mandou” (19:4). Ao fundamentar a heráldica (ciência e arte dos brasões) de sua Doutrina, o agora Mestre Irineu adota a estrela da Casa de David – cujo patrono é Samuel – como símbolo fundamental, pois a promessa messiânica do “cajado florido da raiz de Jessé” torna-se, após longa espera, rediviva no bastão do velho Juramidã: “Até que enfim, até que enfim, até que enfim/Eu recebi o meu bastão/Pude me levantar/Com minha caducação” (33: 2). O velho caduceador, o arauto que empunha o caduceu, vem dar cumprimento as profecias. Segundo os comentaristas da Bíblia Tradução Ecumênica (TAB): “No judaísmo, espera-se do Messias que ele introduza os judeus no jardim do Éden” (BÍBLIA, 2015: 2432 (n. e)). O paraíso edênico é revisitado através da memória divina de Mestre Irineu: “O divino Pai Eterno/Quem me fez quem me criou/Para eu ser um filho seu/No jardim de belas flores” (59: 1).
Ademais, os vocábulos jardim e flor (flores) aparecem respectivamente 17 vezes em 10 hinos, e 18 vezes em 12 hinos d‘O Cruzeiro. Em um desses hinos, a Opus Magnum de Juramidã consuma-se com o mesmo número que Deus perfez seu paraíso edênico: “Completei o meu Cruzeiro com 132 (1+3+2) flores” (52: 3). Através da obra redentora desse divino Jardineiro, cumpre-se igualmente outra profecia, nada ortodoxa: a da doutrina do Santo Graal. Em sua mais famosa obra literária, Parsifal, escrita no início do séc. XIII pelo templário Wolfram von Eschenbach (1170-1220), o denominado “mito medieval do Imperador” torna-se manifesto no protagonista Parsifal, o herói do Graal, que encarna – nas palavras do prefaciador do livro, A. R. Schmidt Patier – o “herói restaurador” e “Messias Imperial” a quem a despeito do papado, cabia verdadeiramente “o papel esotérico de grande mediador entre a ordem cósmica e terrena” (SCHMIDT PATIER, 2015: 24). Segundo a lenda, a presença e a palavra do herói do Graal “Fizeram reflorescer a terra devastada. Ele restaurou o Reino…” (p. 25).
No grande jardim desse Reino, existe uma Árvore conhecida por Árvore da Vida. Imediatamente à queda de Adão e Eva, Deus colocou “(…) Diante do jardim de Éden, os querubins e a chama da espada fulgurante par guardar o caminho da Árvore da Vida” (Gn, 3: 24). Do Gênesis ao Apocalipse, do alfa ao ômega. Aquele que diz ser “o Primeiro e o Último, o Vivente” (Ap 1: 17-18); Aquele “(…) Que segura as sete estrelas em sua mão direita” (2: 1), promete para o tempo messiânico, também conhecido na tradição judaica como mundo vindouro: “(…) Ao vencedor, conceder-lhe-ei comer da Árvore da Vida que está no paraíso de Deus” (Ap 2: 7). O inestimável profeta João Pereira afirma a vitória: “Temos que vencer e seremos campeão…” (36: 1), pois ao vencedor será dado “a Coroa da Vida” (Ap 2: 10-11).
Convido o prezado leitor para daqui a três semanas, 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida, descobrir como Mestre Irineu codificou a “Coroa da Vida” e ocultou o caminho da Árvore da Vida em seu evangelho e, mais importante, como ele nos dá de comer de seus frutos cumprindo a profecia apocalíptica! Aguardo e conto com o privilégio de sua leitura. Até lá, amém.
NOTA: quando cito o hino do bastão, o 33, uso a palavra “caduceador” como um trocadilho para “caducação”, cujo sentido contextual segundo Sebastião Jaccoud, expoente do CICLU-Alto Santo, é este: “A caducação não significa a senilidade, mas sim a doutrina que Mestre Irineu conseguiu desenvolver com nova roupagem para o novo tempo. (…) Exigiu do homem Raimundo Irineu Serra a extremada dedicação durante a existência material” (JACCOUD, 1992: 37). Mestre Irineu e sua divina insanidade, ou como diz 1 Cor 4: 10: “Somos loucos por causa de Cristo…”. Neste tempo, parafraseamos: “Somos loucos por causa de Juramidã”. A Doutrina de Mestre Irineu é essa “loucura” (“caducação”) na qual persistimos com dedicação.
ATENÇÃO: acesso ao texto Mestre Irineu e a Árvore da Vida publicado em 12 de outubro de 2024: https://evangelhodejuramida.com.br/mestre-irineu-e-a-arvore-da-vida-hinos-9-e-10/
ARTE: Thálita Vanessa Pinheiro (@taalitavanessa)
INSTAGRAM: @evangelhodejuramida
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém: Nova Edição, Revista e Ampliada. São Paulo: Paulus, 2002;
BÍBLIA. Português. Bíblia Tradução Ecumênica (TAB). 2ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015;
COELHO, Beatriz. Devoção e Arte: Imaginaria Religiosa em Minas Gerais. São Paulo: EDUSP, 2017;
DURANT, Gilbert. As Estruturas Antropológicas do Imaginário: introdução à arquetipologia geral. São Paulo: Martins Fontes, 2002;
JACCOUD, Sebastião. O Terceiro Testamento: um fato para a história. Goiania: Página Um Editora, 1992;
JUNG, C. G. Símbolos da Transformação: análise dos prelúdios de uma esquizofrenia. 7ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2011;
LUTERO, Martim. Magnificat: O Louvor de Maria. Aparecida, SP: Ed. Santuário; São Leopoldo, RS: Ed. Sinodal, 2015;
SCHMIDT PATIER, A. R. Prefácio. In: ESCHENBACH, Wolfram von. Parsifal. São Paulo: Editora Antroposófica, 2015;
STABIRD, Margaret. Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso do Alabastro. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
Uma resposta
Gratidão pelo estudo fino 🙏