INTRODUÇÃO
Germano Guilherme inaugurou o discipulado no Daime, ao tomar a sagrada bebida com Mestre Irineu em 1928, aos 25 ou 26 anos de idade. Durante aproximadamente dois anos, foram só os dois. Germano também inicia a hinologia do Daime ao apresentar, em 1934, Divino Pai Eterno. Muito próximo, dedicado e estimado, por Mestre Irineu era chamado de “Maninho”. Recebeu a honraria de abrir com seu hinário, antes d’ O Cruzeiro, as noites festivas do Dia de Reis, São João, Virgem da Conceição e Natal, ordem do Mestre cumprida até hoje no CICLU-Alto Santo.
TERRA NATAL
Inicio por onde devo começar e confessar: esse foi o subtítulo mais desafiador! Pesquisando as fontes bibliográficas disponíveis, não há como apontar com certeza absoluta, o estado natal de Germano Guilherme. Vejamos pela ordem cronológica das publicações:
A icônica REVISTA DO CENTENÁRIO (1992, p. 23.): depoimento da viúva de Germano, Cecília Gomes da Silva, filha de Antônio Gomes da Silva: “Germano era cearense, mas era naturalizado como acreano. Na época que ele veio para cá, não tinha esse negócio de documento. Germano faleceu em 1964, com 62 anos”;
O belíssimo cordel No Brilho da Lua Branca de Saturnino Brito do NASCIMENTO (2005: 62), no qual o autor revela uma naturalidade maranhense para Germano:
Aproximaram-se um do outro [Irineu e Germano],
Fizeram boa amizade
Descobriram ser conterrâneos,
Dentro da afinidade
Da lealdade e do respeito,
Dois amigos de verdade.
Chegamos ao tratado biográfico Eu Venho de Longe (2011): “Germano era um negro pernambucano apelidado de “Maninho” por Irineu, e, inicialmente, deve ter sido o único a acompanhá-lo no seu consumo de Daime’ [Quando Irineu serve à Força Policial] (MOREIRA & MACRAE, 2011: 113);
Por fim, o livro Vovô Irineu (2023): “Germano Guilherme dos Santos nasceu no dia 28 de maio de 1902, em São João do Piauí, no Estado do Piauí…” (CARIOCA, 2023: 195).
Poderíamos deduzir que o depoimento da viúva, dona Cecília Gomes, que aponta o Ceará como terra natal, seria o mais fidedigno, certo? Errado. Eis que Paulo Moreira, autor principal do livro Eu Venho de Longe, e que conheci quando de sua pesquisa de campo no bairro Irineu Serra, revelou-me que a sua fonte para a naturalidade pernambucana de Germano foi ninguém mais ninguém menos do que a viúva, dona Cecília Gomes, carinhosamente conhecida no Alto Santo, por Dona Preta! Não sabemos – se por questão de idade ou não – o porquê dela ter mudado o depoimento sobre o estado natal de seu companheiro, já que não tenho a menor dúvida sobre a idoneidade e capacidade acadêmica do amigo Paulo.
Isso posto, chego a uma solução salomônica para as incongruências das informações, pois restou uma unanimidade: Germano era nordestino! E como tal, no início do século passado, sofria junto à sua família as agruras da seca que assolava a região, principalmente nos sertões. O cenário era desolador. Animais morrendo de sede e fome e crianças desnutridas definhando. Notícias de um eldorado verde para onde conterrâneos estavam viajando, chegavam como uma chama de esperança nas noites nem sempre estreladas sobre o humilde casebre de taipa do casal. O que eles não poderiam supor era a sonhada prosperidade findando em grandes dissabores para as famílias que se amontoavam à outras nos navios gaiolas que aportavam nos cais amazônicos em busca de uma vida melhor.
MUDANÇA PARA O ACRE
Conta-se que Germano, nascido em 28 de maio de 1902, “(…) Mudou-se, ainda menino, com sua família para o Território do Acre, passando a trabalhar nas colônias como seringueiro e agricultor” (CARIOCA, 2023: 195). Estamos no Primeiro Ciclo da Borracha que, segundo alguns historiadores do Acre, findou em 1920 (PONTES, 2014: 107). Não sabemos ao certo se o casal Santos trabalhou nos seringais. Se foi o caso, pode ser que o pai de Germano tenha sido um daqueles raros casos de seringueiros que conseguiram tirar saldo positivo na caderneta do Guarda-livros, homem de confiança que fazia o balanço contábil do barracão do seringalista. Outra opção, é ter sido, digamos, beneficiado pelo “grande colapso” do Primeiro Ciclo da Borracha no Brasil, quando muitos seringais foram abandonados, inclusive com suicídios de coronéis de barranco falidos. (PONTES, 2014: 121).
AVISTANDO IRINEU EM XAPURI E REENCONTRO EM RIO BRANCO
É provável, então, de uma forma ou de outra, que a humilde família estivesse alforriada da cruel cadeia de produção gumífera, morando em uma pequena colônia comprada ou doada, pois vamos reencontrar Germano em Rio Branco, agora um rapaz de 20 anos, recebendo, orgulhoso, um louvor (elogio pelos serviços prestados) no quartel da Força Policial do território do Acre em 23 de junho 1922 (MOREIRA & MACRAE, 2011: 114, 126). Tudo indica que Germano deve ter ingressado na corporação em 1920, ao 18 anos, pois segundo Paulo Moreira, “Logo ao entrar na Força Policial [5 de janeiro de 1920], Irineu fez amizade com Germano Guilherme…” (Ibid., p. 112-113).
Antes, porém, segundo a memória privilegiada do amigo Saturnino Brito do Nascimento, herdando o dom de contar histórias de seu querido e saudoso pai Luiz Mendes, relata que Germano em 1914, aos 11 ou 12 anos, havia avistado Irineu em Xapuri: “(…) Mas aí dentro dessa instituição [Força Policial], Ele [Mestre] fez uma amizade com Germano Guilherme, que também estava lá prestando um bom serviço. Ele fez uma amizade grande com Germano pelo seguinte, por alguns detalhes. Em 1914, Germano Guilherme contou que estava num barranco do rio Acre na cidade de Xapuri, quando de repente passou um navio no rio, aquele navio, né. Iam muitos homens nesse navio. Apenas… Iam alguns em pé e a maioria sentados, mas iam alguns em pé porque o navio ia cheio de homens, e entre esses que iam em pé se destacava aquele moreno alto, grande… Germano Guilherme, quando olhou aquele homem do barranco do rio, ele disse: – Nossa, que homem grande aquele homem que vai ali em pé… E ele se admirou e ficou olhando para esse navio até esse navio dobrar a curva do rio… Daí, quando lá na Guarda [Força Policial], o Germano Guilherme avistou o Irineu, ele disse logo: – É aquele, não tem outro, é aquele homem que eu vi naquele tempo, é aquele. E aí por força disso estreitaram, fizeram então boa amizade…” (Relato disponível no YouTube na série Histórias do Mestre Irineu – Padrinho Saturnino Brito – CEFLI – Episódio 5 (a partir do minuto 20: 17), edição Radio Cruzeiro Universal. Link no final do texto).
Começava um linda e profunda história entre esses dois homens pioneiros do Daime, que em 1928 redescobriram-se mestre e discípulo. A partir de agora, convido-os a saberem um pouco mais sobre a vida do Maninho, através de entrevistas que fiz entre 2000 e 2002 com Luiz Mendes do Nascimento, que recebeu de Francisco Granjeiro a zeladoria do hinário de Germano, além de outras fontes devidamente referenciadas.
A INICIAÇÃO DE GERMANO
“Olha, eles se conheceram quando eram militares em Rio Branco. Eles serviam no que hoje corresponde a Polícia Militar. Consta que logo surgiu uma afinidade entre os dois e tornaram-se muito amigos. Mas o Mestre, até seguindo o preceito de não convidar, não falou nada a respeito da bebida. Só que tinha umas folgas, né, lá na escala de serviço, e nessas folgas, o Mestre meio que sumia, Germano não via, não encontrava o Mestre nesses dias. Germano percebeu essa, digamos, coincidência, e um dia perguntou: – Irineu, o que tu faz nos teus dias de folga, que eu não te vejo em canto nenhum? Foi aí que o Mestre, que nessa época ninguém chamava de mestre, resolveu contar pra ele que tomava um bebida e explicou, assim, por alto, o que era e ficou quieto, não convidou, não. Foi quando Germano, espontaneamente, perguntou se podia acompanhar. O Mestre, então, combinou com ele um dia e local, que eu não sei te dizer onde foi exatamente, mas foi na mata. O que eu sei é que foi em 1928. Também não sei o que aconteceu na experiência do Germano, mas deve ter sido bom, porque desse dia em diante, o mestre teve, enfim, um companheiro para tomar Daime mais ele. Eles passaram, então, a tomar o Daime juntos nos dias de folga, e Germano nunca mais largou esse trabalho, tornando-se, assim, o primeiro seguidor, o primeiro discípulo” (Luiz Mendes do Nascimento).
Detalhes da iniciação no cordel de Saturnino Brito do NASCIMENTO (2005: 62-64):
Nas folgas que tinha da Guarda [Força Policial]
Irineu se ausentava
E ninguém dava notícias
Onde é que ele estava.
Era para o retiro da mata,
Que ele sempre adentrava.
E o Germano percebendo,
Brincando disse: – Rapaz,
Se procuram não te encontram
O que é que você faz?
– Ou me leva com você,
Ou te sigo, vou atrás.
Sorridente, disse Irineu:
– Não tenho o que esconder do amigo.
Na próxima folga que houver,
Você pode ir comigo,
E o que você vai ver
Deve guardar contigo.
Surgiu a oportunidade,
E conforme o combinado,
Partiram cedo em caminhada,
E adentraram um bocado,
E lá no meio da floresta,
O segredo foi revelado.
Irineu tirou de um bornal
Uma pequena porção
Do jagube e da rainha
E com um porrete na mão
Machucou bem o cipó,
Juntou com a folha e água então.
Pôs no fogo e aguardou
O processo do apuramento,
E explicou pelo menos
Um pouco do fundamento
Para o amigo Germano
Que tudo via no momento
Se preparou para tomar,
Não ofereceu ao companheiro,
Mas o Germano quis tomar,
Tornando-se assim o primeiro
Seguidor de mestre Irineu
Neste trabalho altaneiro.
Depois tornaram a repetir
Sem perder oportunidade.
Aquela iniciação
Teve continuidade
Daquele momento em diante,
Até a eternidade.
PERSONALIDADE DE GERMANO
“Olha, o Germano era um homem negro, de dentes alvos, tinha mais ou menos 1, 65 m, por aí assim, nem gordo nem magro, trabalhador, zeloso em tudo que fazia, até demais. Tinha uma personalidade muito forte. Muito exigente com quem trabalhava com ele. Muito leal também, bom companheiro, firme em suas atitudes e palavras, cantava e tocava maracá muito bem. Ele tinha uma ferida na perna, uma doença que não sarava nunca, às vezes melhorava, mas não ficava bom. Ele até contava o porquê…” (Próxima história).
NOTA: segundo informação de seu Paulo Serra, enteado de Germano, colhida pela amiga Maisa Furtado, a enfermidade era na perna esquerda.
VIDAS PASSADAS: UM CRUEL SENHOR DE ENGENHO
“…Olha, essa ferida dele que não sarava; às vezes melhorava, mas não sarava. Um dia, quando ele ainda não sabia o motivo espiritual do processo, meio que se aperreou com isso e foi falar com o Mestre: – Maninho, eu tô contigo desde o inicio desse trabalho, já vi o senhor curar muita gente, inclusive gente desenganada dos médicos, e eu aqui com essa perna que não fica boa nunca. Daí o Mestre respondeu: – Maninho, tu quer saber por que você não fica bom? Ora, Germano respondeu que queria saber, sim. Foi quando o Mestre falou pra ele: – Você escolha um dia e toma um copo de Daime, que você vai ver! Germano não esperou muito, não. Na primeira oportunidade, ele fez o que o Mestre falou. Tomou um copo de Daime, aquietou-se… e começou a mirar. Ele disse que foi assim, caminhando por uma estrada e avistou uma porteira já aberta. Daí ele entrou e começou a escutar uns gritos, mas uns gritos assim bem feios, agoniados. Nisso, na miração, ele foi se aproximando do lugar de onde viam os gritos. Foi quando ele viu um homem negro sendo chicoteado num tronco.
Rapaz, para o espanto dele, quando ele foi procurar ver quem estava fazendo aquela maldade com aquele homem, descobriu que era ele mesmo! Foi quando, meio abalado com aquela cena, ele se lembrou do Mestre, e então teve o entendimento da miração. Porque não basta só mirar, é preciso entender a miração! O que ele estava vendo era uma encarnação pregressa como um perverso senhor de engenho, um homem mal que judiava dos escravos. No dia seguinte, ele foi bater lá na casa do Mestre. Daí o Mestre, que já tinha visto a história, foi se antecipando: – E aí maninho, viu o motivo? Germano confirmou e já foi adiantando que era sentença. Porque, você deve saber dessa verdade que o Mestre anunciou: – O Daime só não cura aleijo [aleijão] e sentença! Então, você pelo menos recebe o conforto de saber o porquê das coisas. Se não pode mudar, o jeito é se resignar!” (Luiz Mendes do Nascimento).
NOTA: recebi uma versão complementar oriunda da família de seu João Facundes, através de seu filho primogênito Tony Araújo Facundes, sendo repassada pelo irmão Juliano Lopes Santos, presidente do Centro Livre Caminho do Sol Fortaleza de Minas, vinculado ao Centro da família Granjeiro em Rio Branco. Segundo essa versão, após Germano finalmente ver a causa de sua enfermidade, entendê-la e certamente ter se arrependido desse malfeito em outra encarnação, posteriormente o Mestre ofereceu-se para curá-lo, mas Germano disse que não queria a cura! Ao ser questionado pelo Mestre, Germano respondeu que viu no Daime que era melhor continuar padecendo da enfermidade naquela encarnação para não ter que levá-la para a próxima, pois ele vislumbrara uma volta ao mundo material. O Mestre foi conferir com a Rainha e concordou com Germano. Enfim, essa versão apenas confirma o caráter de “sentença” irrevogável. Nesse caso, Germano escolheu cumpri-la totalmente naquela encarnação.
“Germano sofria de um problema na perna, uma enfermidade que se agravou em 1964. Contou-me Júlio Carioca Filho, que madrinha Peregrina e dona Lourdes Carioca faziam curativos na ferida. Relembro que dona Percília revelou que essa doença não foi curada porque se tratava de uma sentença. Germano Guilherme teria sido na encarnação passada, um senhor de engenho que maltratou negros. “Ele [Mestre Irineu] dizia que aquilo era sentença, não tinha cura”, contou dona Percília” (CARIOCA, 2023: 198).
APRENDA A PEDIR PARA RECEBER!
“Esta história é até bem conhecida, parece que foi a dona Preta [Cecília Gomes], a última companheira dele, que testemunhou. Mostra bem a retidão de Germano, a questão da palavra, sabe. Germano tinha um pé de laranja em casa e a laranjeira estava carregada. Daí, um menino passou e pediu duas laranjas. Germano, na mesma hora, consentiu. Quando pensa que não, o menino, que tinha trazido um saco, começou a tirar várias laranjas. Germano ficou só observando. O menino agradeceu e quando ia saindo, Germano chamou: – Hei, menino, despeje aí o saco com essas laranjas. Pegue as duas que você me pediu e deixe o resto aí! Quando o menino ia saindo, até assim, meio assustado, Germano chamou de volta: – Pode juntar o resto e leva, porque agora eu estou te dando. Aprenda a pedir para receber!”.
DISCIPLINADOR
Depoimento de Luiz Mendes a Florestan Neto: “Olha, Germano era o que a gente convencionou chamar por aí de ‘caxias’. Talvez até por sua experiência militar, ele era severo e não tolera rebeldia e brincadeira com este trabalho. Uma vez o Mestre suspendeu um irmão seis meses por indisciplina. Aconteceu, viu, aconteceu do Mestre suspender gente! Quando era assim, suspensão, ninguém podia dar Daime para a pessoa, porque certamente o Mestre ficaria sabendo. Bom, o irmão começou a sofrer muito sem poder tomar Daime e quando deu três meses, ele foi pedir clemência ao Mestre, pedir para revogar o tempo de interdição e liberar ele pra tomar Daime. Rapaz, ele se humilhou, pediu desculpas e coisa e tal. O Mestre atendeu, julgou por bem dar uma chance.
Pois bem, no hinário seguinte, o irmão se apresentou. Germano, que não estava sabendo da novidade, chegava cedo para os trabalhos. Quando entrou na sede, viu o irmão fardado e imediatamente perguntou: – O que o senhor está fazendo aqui? O senhor não está suspenso? Foi quando o irmão explicou que o Mestre tinha liberado a volta dele aos trabalhos. Germano não gostou muito da história e subiu até a casa do Mestre pra conferir. Chegando lá, o Mestre, fardado, estava para descer. Foi quando Germano o interpelou sobre a presença do irmão. Daí o Mestre disse: – Maninho, eu liberei ele, ele veio aqui me pedir e eu liberei. Daí, Germano respondeu: – Maninho, é por isso que o pessoal abusa do senhor! Daí o Mestre ainda respondeu: – Ele veio aqui e me pediu de forma humilde e eu resolvi conceder. O Mestre chegou a chamar Germano à atenção, para ele não ser assim, digamos, tão radical. Uma vez, chegou até a discipliná-lo…” (Próxima história).
CHAMANDO À ATENÇÃO DO MESTRE E A CORREÇÃO
“Bom, o Germano tinha muita intimidade com o Mestre, companheiro na vida militar em Rio Branco, amigos, muito amigos, muitos trabalhos juntos, muitas conversas, enfim… Tu sabes, né, que houve um tempo que o Mestre tomava pinga esporadicamente, assim, numa folga, num momento de descontração. Eu até entendo, uma luta enorme, uma responsabilidade grande, além de ser um homem muito trabalhador, né. Nunca pediu nada de ninguém, dinheiro, vida fácil, essas coisas. Então, como ser humano que era, vez por outra ele tomava uma cachacinha, chegou a fazer festa na casa dele, os forrós, com pinga rolando. Mas aí, o pessoal começou a abusar e dar alteração. Foi quando a Virgem Mãe interditou, proibiu mesmo, para ele e todos os irmãos. Foi ali naquele hino Silencioso [72], por volta de 1945.
O que eu quero te dizer é que o Mestre, um dia, teve uma recaída, e foi no dia de uma Concentração. DaÍ, voltando pra casa, passou por onde Germano morava. Ele não ia passar na casa de Germano, mas Germano o viu caminhando e chamou! Quando o Mestre se aproximou, ele percebeu que o Mestre tinha bebido e perguntou: – Maninho, tu bebeu? O Mestre, que não nunca mentia, respondeu: – Maninho, eu bebi sim. Daí, Germano perguntou: – E vai ter trabalho, com o senhor assim? O Mestre respondeu: – Vai sim, vai ter trabalho. Daí Germano perguntou: – E o senhor vai? O Mestre respondeu que sim. Foi quando Germano olhou pro Mestre e disse que não ia com ele daquele jeito.
E olha que o Mestre estava apenas assim, um pouco alto, não estava, digamos, bêbado, trôpego, entende? Daí, o Mestre, humilde e com aquela calma dele, falou: – Maninho, isso não vai se repetir mais, vamos pro trabalho! Daí o Germano, resolvido, respondeu que não ia e ainda disse que o Mestre não podia dirigir o trabalho daquele jeito. Rapaz, o Mestre disse que ia e que o trabalho ia brilhar! Insistiu para o Germano ir, mas não teve jeito! Ao chegar em casa, o Mestre ainda pediu para um irmão passar na casa de Germano e refazer o convite. O irmão foi e voltou, avisando ao Mestre que Germano não ia ao trabalho e pt saudações. Germano ficou em casa. Pois bem, chegada a hora, no exato momento que o Mestre abriu a sessão, Germano, que estava bonzinho, começou a sentir uns calafrios, uns enjoos, e começou a ficar febril. Ele atou a rede e se deitou. À medida que a sessão avançava, a febre aumentava junto com o mal-estar! Rapaz, logo, logo, Germano percebeu que estava sendo castigado e se arrependeu, né.
Esperou dar a hora do término do trabalho, e chamou uma pessoa conhecida dele, que não me lembro exatamente quem era e disse: – Vai lá na casa do Mestre e diz a ele que eu estou pedindo desculpas e fazer o favor de tirar isso de cima de mim, que eu tô pra não aguentar mais. Ele sabe o que é! Essa pessoa foi lá na casa do Mestre e deu o recado. Parece que, pelo tempo transcorrido, justamente, na hora que o Mestre recebeu o pedido de desculpas, a febre começou a baixar! No dia seguinte, de manhã cedo, já com tudo normalizado, Germano foi lá na casa do Mestre: – Bom dia, maninho, eu vim lhe pedir desculpas e lhe agradecer. O Mestre, sempre cordial, respondeu: – Maninho, está tudo certo, vamos tomar um café? Então, fica a lição: Germano, talvez fosse a pessoa que tivesse mais intimidade com o Mestre, muito estimado, começou esse trabalho com ele, só os dois, mas… o Mestre continuava sendo o Mestre! Cada um tem que saber bem sabido onde é o seu lugar!” (Luiz Mendes do Nascimento).
APRESENTANDO O PRIMEIRO HINO NO DAIME
“O Germano, além de ter sido o primeiro seguidor, foi também o primeiro a apresentar um hino; não a receber, mas a apresentar. Isso porque o Mestre não apresentou Lua Branca logo, não. Ele recebeu, segundo a dona Percília, lá no início quando ele tomava ayahuasca com os caboclos peruanos. Só que ele ficou quieto. Daí um dia, com os dois já tomando Daime com aquele primeiro grupo de seguidores na Vila Ivonete, Germano, sozinho, eu não sei se em sonho ou miração, ouviu uma melodia e escutou as palavras.
Até então, não se tinha hino no Daime, o que tinha eram “chamados”, mas hino, não. Daí, Germano, que era analfabeto como a maioria daqueles irmãos, comunicou ao Mestre em particular: – Maninho, eu ouvi uma música e veio junto umas palavras. Daí o Mestre, falou: – Canta aí pra mim escutar. Foi quando Germano abriu a boca e cantou: – “Divino pai eterno, o seu mundo feio e formou, o seu mundo veio e formou…”. Quando o Mestre terminou de ouvir, exclamou: – Maninho, tu recebeu foi um hino! Aí, ele falou: – Eu também tenho um, quer ouvir? Ora, quem não ia querer? Foi quando o Mestre apresentou pela primeira vez o hino Lua Branca. Consta que era o ano de 1934, um ano antes do primeiro hinário, que foi o São João de 1935” (Luiz Mendes do Nascimento).
NOTA 1: a informação acerca da data de apresentação desses dois primeiros hinos, coincide com o depoimento que colhi de Percília Matos no ano 2000: “Quando eu cheguei nesta casa junto com meus pais, em 1935 [em verdade, 1934], só existia Lua Branca. O Mestre falava que havia recebido esse hino lá no Peru. Daí por diante, eu era criança nessa época, tive uma ideia… Deus me deu o dom de prestar atenção em quantos hinos que ainda iam sair dali por diante. Logo veio Tuperci, depois o Ripi e eu fui marcando…” (MAIA NETO, 2003: 21). Segundo a própria Percília, no primeiro hinário, São João de 1935, Germano contava com seus dois primeiros hinos, que foi a contribuição dele para a noite (Ibid., p. 96).
“‘Na verdade foi Germano Guilherme quem primeiro recebeu e cantou seu hino na doutrina, daí o porquê de seu hinário ser executado antes do hinário do Mestre Irineu até hoje’, relata dona Cecília Gomes… Neste ano [1934], portanto, foi apresentado o primeiro hino na doutrina, pelo seguidor Germano Guilherme: Este hino [Divino Pai Eterno] firmava mais que nunca, a criação universal destinada a Irineu Serra, que começava a formação de seu mundo, a verbalização do caráter sagrado que ele desejava implantar através de sua doutrina. Após a apresentação do hino de Germano Guilherme, Irineu Serra apresentava à irmandade, vinte e dois anos depois, o hino que fora recebido por ele, em 1912 [entre 1912 e 1914], no Peru: Lua Branca. A música e a letra continuavam viva em sua memória, numa comprovação divina do poder e do valor da doutrina que passava a ser implantada. ‘Foi quando ficamos conhecendo o seu hino Lua Branca, que ele tinha recebido no Peru quando a Virgem lhe entregou a Missão’, comenta dona Percília’” (CARIOCA, 2000: 38).
O ZELO POR SEU HINÁRIO
“Olha, uma vez Germano estava a caminho da casa do Mestre, quando de repente, ouviu alguém cantando um hino seu. Ele parou, prestou bem atenção de onde vinha a voz e foi conferir. Era bem pertinho. Foi se aproximando cada vez mais até chegar na casa de uma irmã que, se não me engano estava varrendo a casa ou lavando roupa, eu não me lembro exatamente. Daí ele não bateu à porta logo, não. Ficou aguardando para ver se ela iria prosseguir a cantoria. Ela terminou o hino dele e puxou outro de outro hinário. Ele esperou terminar o hino e bateu palmas. Quando a irmã atendeu, ele deu bom dia e foi dizendo, sério: – quando a senhora for cantar hino meu, ou canta todo o hinário ou não canta hino nenhum. Não quero ninguém cantado hino meu solto! Rapaz, ele era assim, rígido no serviço. Bom, o hinário foi recebido por ele, né, tava no direito dele. Inclusive, conta-se que o Mestre autorizou dona Percília a corrigir todos os hinários, menos o de Germano. No dele não era para alterar nem uma vírgula” (Luiz Mendes do Nascimento).
“Se [Germano Guilherme] chegasse em uma casa e alguém estivesse cantando seus hinos atravessados, ele dava logo uma advertência: ‘Epa, estão mexendo na minha casa!’. Ele dizia que é como deixar tudo arrumado e, quando chegasse, encontrar um objeto aqui e outro ali” (Adália Granjeiro e Lourdes Carioca em entrevista a Jairo CARIOCA (2023: 195)).
“Seu Germano cantava o hinário dele com um pé em cima de uma caixa, sempre batendo no compasso e não saísse fora que ele dava um pulo. Era rigoroso, colocava ordem em seu hinário” (Júlio Carioca entrevistado por Jairo CARIOCA (2023: 195)).
“HINÁ” EU VOU CANTAR…
“Germano, como falei, era assim, digamos, um tanto rígido, era da personalidade dele, cada um é de um jeito, né? Pois bem, você sabia que aquele hino Hinário Eu Vou Cantar [28], ele só cantava “Hiná eu vou cantar…”. Uma vez, uma irmã que não me lembro o nome, muito delicadamente perguntou: seu Germano, esse hino que o senhor canta “Hiná eu vou cantar…”, não seria “Hinário eu vou cantar…”? Daí ele simplesmente respondeu: – Olha, eu canto assim porque recebi assim. Foi assim que eu ouvi o hino. Rapaz, tu acreditas que ele morreu puxando “Hiná (risadas)?” (Luiz Mendes do Nascimento).
VIRGEM DA CONCEIÇÃO E PRELÚDIO D’O CRUZEIRO
“Germano era devoto de Nossa Senhora da Conceição, e nada mais adequado que o festejo desse dia tivesse seu início na casa dele. Depois foi para a sede [1963]. Olha, esse hinário, que hoje se chama Sois Baliza, quando começou era o Hinário do Germano, mas antes de ser, digamos, oficializado como Sois Baliza, o Mestre denominou esse hinário de Hinário da Rainha da Floresta. E aí, faz todo sentido o Mestre ter colocado ele para abrir o Cruzeiro nas principais datas festivas [Reis, São João, Virgem da Conceição e Natal]: eu contemplando, observei: primeiro vem a Mãe para depois chegar o Filho, vinculados ao Espírito, que é o próprio Daime!” (Luiz Mendes do Nascimento).
“Os hinários em comemoração à Nossa Senhora da Conceição, inicialmente era cantados na casa de Germano Guilherme: ‘Todo ano ia aquele grupo ajudar ele a cantar. Até que o Mestre oficializou e trouxe pra sede junto com o dele [o hinário O Cruzeiro’” (CARIOCA, 2023: 196).
NOTA: até os dias de hoje, por esforço e zelo de madrinha Peregrina, sobrinha de Cecília Gomes e Germano, a ordem deixada pelo Mestre de se cantar Sois Baliza antes d’O Cruzeiro nas 4 principais datas festivas, continua de pé! A abertura do Terço se dá às 18:00 h., com a subsequente e imediata serventia do Daime, hinos Sol, Lua, Estrela e Devo Amar Aquela Luz (prólogos), Sois Baliza, O Cruzeiro até o hino 66, intervalo de 1 hora (em média), Diversões, O Cruzeiro até o hino 116, hinário A Bandeira de madrinha Peregrina (11 hinos), Hinos Novos (Cruzeiro do 117 ao 129), encerramento do trabalho.
NOTA 2: O hinário de Germano foi batizado de Sois Baliza por madrinha Peregrina em 1989 (CARIOCA, 2023: 271).
HINÁRIO MILAGROSO!
Entrevista de Jair Facundes, filho do contemporâneo do Mestre, João Facundes (“Nica”) a Edward MacRae, descrevendo uma cura do mestre maranhense Daniel Pereira de Matos, primeiro músico do Daime e fundador da Barquinha, que, à época de sua iniciação, em 1936, era dono de uma humilde barbearia frequentada por Mestre Irineu (ARAÚJO, 1999: 47)
“Quando Daniel Pereira de Matos (contemporâneo e amigo de Mestre Irineu, fundador da religião ayahuasqueira Barquinha) estava doente, Mestre Irineu simplesmente pediu que ele transcrevesse o hinário de Germano Guilherme. Quando ele terminou a tarefa a cura estava realizada” (MOREIRA & MACRAE, 2011: 152).
VIAGEM AO PLANETA VÊNUS
Depoimento de Luiz Mendes publicado originalmente no livrinho contos da Lua Branca (2003) e que também está disponível neste site na aba História dos Hinos. Diz respeito ao hino 13 d’ O Cruzeiro, Estrela d’ Alva.
“Eu lembro de uma história bem acentuada, inclusive eu tenho muito carinho pela Estrela D’ Alva, até porque desde a primeira vez que vi ele contar essa história, eu fiquei impressionado e sedento de poder alcançar também algo assim, que fosse diretamente a Estrela D’ Alva. Isso se deu, ele contava para nós, entre ele e Germano Guilherme. Primeiro foi com ele [o Mestre]. Ele sentado no ponto de trabalho dele, divisou a Estrela D’Alva em determinado ponto. Aí, ele olhou para ela e pensou consigo: – Qualquer dia desse eu vou tomar Daime e vou naquela estrela. Aí, ficou nisso, quando em um determinado dia ele tomou Daime.
Ora, não deu trabalho. Foi lá! Chegou lá, ela toda de vidraça, a coisa mais linda do mundo. Agora, só com o direito de avistar o que estava lá por dentro, sem entrar. Era uma vidraça tão transparente, que ele divisava tudo o que tinha lá por dentro. Tudo ornamentado, atapetado, a coisa mais linda! Uma morada muito bonita dentro da Estrela D’Alva. Aí, ele disse que era tão verdade ela ser de vidraça, que ele disse que passava a mão apalpando e sentia que era vidro. Aí, a gente pergunta: E o invisível se pega? Pega, invisível também se pega, porque ele pegou, ele apalpava. Aí, ele perguntou a Mãe dele: – Minha Mãe, me diga uma coisa: Por que é que uma coisa excelente dessa, uma morada bonita como essa, eu procuro um morador, alguém que esteja habitando, e não vejo? Ela disse: – Meu filho, como essa aí, tem muitas e muitas outras esperando um filho com uma capacidade que mereça realmente vir habitar. Ele disse: – Sim Senhora, muito bem. Aí constatou tudo isso e retornou.
Agora, o Germano era buraco como diz o caboclo, né? A primeira pessoa para quem o Mestre contou essa história foi o finado Germano, mas contou assim, a meio termo, e bem a meio termo mesmo, e disse, parece que olhando para a Estrela D’ Alva de novo: – Olha, maninho – mutuamente, eles se tratavam por “maninho”, era bonito mesmo, eu ainda conheci -, tu me acredita numa coisa? Germano respondeu: – Sim, maninho, não é tu que vai contar? Aí, o Mestre falou: – Tu acredita que eu fui lá naquela estrela? Germano disse: – Acredito. O senhor não está dizendo? E a conversa ficou só até aí. Ele deu ciência que foi até a Estrela e só. Germano também desejou nessa hora e afirmou consigo: – Eu também vou tomar Daime e vou lá. Ora, não deu outra. Quando foi em um determinado dia, ele tomou Daime e foi bater lá. Investigou tudo direitinho. Terminada a investigação, ele voltou e foi levar a notícia para o Mestre: – Maninho, tu me disseste que foi naquela estrela, não foi? Fui Germano – respondeu o Mestre. Não é que eu também fui – falou, Germano. Daí, o Mestre perguntou: – Então tu me contas como é lá. Aí, o Germano deu toda descrição do jeito que o Mestre viu. Então, o Mestre arrematou: – Tu foi mesmo. É assim! [risadas]. O Mestre sempre contava isso, a Estrela D’Alva. Então, naquele momento, ela ainda se encontrava assim, vazia” (MAIA NETO, 2003: 26)
NOTA: “Buraco” era uma espécie de apelido de Germano. O sentido, baseado em sua personalidade, é o da conhecida expressão “Comigo o buraco é mais embaixo”.
A VIUVEZ, A FILHA FRANCISCA E A UNIÃO COM CECÍLIA GOMES DA SILVA
Segundo depoimento de Paulo Serra, filho de Cecília Gomes, a Paulo Moreira: “Ele e minha mãe se juntaram em 1943 a 1964. Do casamento anterior, ele tinha uma filha com ela. A filha se chamava Francisca das Chagas. Logo depois ele se tornou viúvo e enterrou a esposa. A filha não gostava de tomar Daime. Ela foi para Porto Velho morar com o marido. O marido tomava cachaça e ela acabou aprendendo com ele. Ela morreu por lá, em Porto Velho, de alcoolismo. Ela morreu antes do marido, sei que logo depois dela, ele se foi também. Os dois faleceram antes de Germano…” (MOREIRA & MACRAE, 2011: 319).
Depoimento de dona Cecília: “(…) Teve humildade e hoje ele é senhor. Senhor Irineu! Homem de respeito! Então a gente se conheceu nessa batalha. Eu era muito criança, residi dentro da casa dele e sai da casa dele casada. Casei com Germano Guilherme em 1943. Passamos juntos 24 anos [na verdade, 21]. Eu tinha 16 anos e Germano 42” (REVISTA DO CENTENÁRIO, 1992: 23).
Depoimento de dona Cecília à Sandra Lucia Goulart: “(..) Ele sempre foi o nosso Mestre (…) Ele dizia que remédio era bom para gente. Ás vezes mesmo sem consultar o Daime, ele já sabia (…) Ele era o nosso médico (…) Ele decidia tudo, resolvia os conflitos, as brigas… Todo mundo respeitava ele (…) Assim era o padrinho Irineu. Para mim, ele era tudo, meu pai, meu Mestre, meu padrinho. Ele me criou, morei muitos anos na casa dele (..) Depois, me casei com o Germano, com a orientação dele. Eu tinha dezesseis anos e o Germano quarenta e dois. Mas o padrinho Irineu viu que aquele casamento ia ser bom para nós. Então, nós casamos (..), sempre seguindo a orientação dele (…)” (GOULART, 2004: 41).
Complemento:
Acima, dona Cecília Gomes, que tive o privilégio de conhecer no Alto Santo como Dona Preta (apelido), relata que seu casamento foi orientado pelo Mestre, e finaliza o depoimento “(…) Sempre seguindo as orientações dele…”. Segundo uma informação que vem da família de João Facundes (“Nica”), através de Juliano Lopes Santos, presidente do Centro Livre Caminho do Sol Fortaleza de Minas, ligado ao Centro Livre da família Granjeiro em Rio Branco, Mestre Irineu teria determinado que essa relação fosse apenas de “companheirismo” sem consumação carnal, pois Germano encontrava-se em um estado avançado de purificação. Comenta-se que, em decorrência disso, Germano apurava um Daime muito forte, que deixava as pessoas mirando por dias, a ponto de procurarem o Mestre para aliviar a situação. Por conseguinte, o Mestre achou por bem suspender Germano da função de feitor.
PASSAMENTO DE GERMANO
“Em 1964, morre Germano Guilherme. Era o último dos quatro seguidores fundadores da Doutrina ainda vivo. Germano morava na Vila Ivonete [bairro de Rio Branco] quando faleceu. Seu corpo, por causa da dificuldade de trânsito para o Alto Santo, foi velado em sua residência e sepultado no cemitério Palmeiral, localizado dentro da propriedade do Alto Santo. Muitos irmãos só se despediram de Germano Guilherme no momento de seu sepultamento” (CARIOCA, 2023: 194-95).
“Jair Facundes cita mais um exemplo para demostrar como Mestre Irineu tratava casos de sentença. Consta que, quando Germano Guilherme estava muito doente, sua esposa, Cecília Gomes, foi até a casa do Mestre Irineu dizer que sua doença tinha se agravado. Este teria dito: ‘Diga ao ‘Manim’ (nome que Mestre Irineu se dirigia a Germano) que se prepare, pois sua hora é chegada’ (existe outra versão de sua fala: ‘Pois irá fazer sua viagem’). Jair Facundes ressalta que Mestre Irineu não convocou um trabalho de cura e nem apresentou um remédio. Este seria um dos vários episódios em que ele já antecipava que o caso não teria cura, ou apenas dava um paliativo para a dor ou um conforto espiritual “ (MOREIRA & MACRAE, 2011: 153).
NOTA: assim como o estado natal de Germano, a data exata de falecimento apresenta no mínimo três versões! As duas primeiras estão na obra Eu Venho de Longe, nas páginas 317 e 319, nas quais respectivamente aparecem a data de 22 de junho de 1964 e 28 de junho de 1964. Consultando o amigo Paulo Moreira (autor principal) no dia 20 de maio de 2024, “22” seria um erro de digitação; portanto, a data a ser considerada, segundo a sua fonte, Paulo Serra, é 28 de junho de 1964.
Entretanto, a família Facundes e a família Grangeiro apresentam uma outra data: 1 de janeiro de 1964. Inclusive, é a data que aparece na biografia do caderno oficial de hinário de Germano utilizado no Centro Livre Caminho do Sol, onde congregam os descendentes do patriarca e matriarca do Centro, Francisco Grangeiro Filho (primeiro zelador do hinário de Germano) e sua esposa Adália Gomes (irmã de Cecília, cunhada de Germano). Segundo o depoimento que colhi do amigo Guido Carioca, genro do ilustre casal, “Quem falou para nós, 1 de janeiro, foi exatamente quem conviveu com ele [Germano], dona Adália Granjeiro, quem afirmou que a data de falecimento dele é primeiro de Janeiro”. A seguir, a foto da “biografia”, incluindo a opção “Pernambuco” como estado natal, que introduz o caderno de hinário Sois Baliza utilizado no referido Centro (cortesia de Guido Carioca).
A ZELADORIA DE SEU HINÁRIO
Depoimento do amigo Guido Carioca (em 20/05/2024), com sua usual presteza e fidalguia: “Bom noite Florestan, prazer enorme receber mensagem sua…Ontem mesmo eu estava na casa da Francisca [filha de Francisco Granjeiro], ali, tirando essa dúvida. Ela disse: ‘- Guido, eu era muito nova mais me lembro do papai e da mamãe [Adália Gomes] recebendo o tio Germano na casa deles, ensinando os hinos dele pro papai e pra mamãe’. Quando seu Germano faleceu, o Mestre Irineu entregou esse hinário para o seu Chico Granjeiro, sim. Aí, pelo seu Chico Granjeiro ser o feitor de Daime do Mestre Irineu, ser monitor, gestor, puxar o João Pereira [era zelador também], aí o Mestre disse: – Seu Chico, vamos maneirar mais as coisas pro senhor, chame alguém pro senhor ensinar esse hinário do Germano Guilherme pra diminuir mais a sua carga. Aí foi quando o seu Chico Granjeiro convidou o seu Luiz Mendes pra aprender o hinário”.
Finda-se aqui, a primeira parte do Tributo a Germano Guilherme – Mistérios do Maninho. No próximo ano, publicarei a segunda parte, que abordará a teologia do primoroso hinário Sois Baliza.
LINK: vídeo de Saturnino Brito do Nascimento sobre o encontro de Irineu e Germano (a partir do minuto 20:17): https://www.youtube.com/watch?v=rLQad1i0aLQ
Vídeo em português legendado em inglês.
AGRADECIMENTOS:
Luiz Mendes, Saturnino e família, por terem feito de suas casas, a minha! Como dizia o “velho”: “É toda uma história…”;
Guido Carioca e Nazaré Granjeiro, pela usual confiança e disponibilidade;
Juliano Lopes dos Santos, pelas “complementações” fazendo a ponte com a família Facundes;
Paulo Moreira, pela gentileza de sua atenção;
Maisa Furtado, pela boa vontade de sair de sua casa no bairro Irineu Serra, indo até a casa de Paulo Serra e dona Altina (dois fofos!), para me esclarecer algumas dúvidas, como por exemplo se a enfermidade de Germano era na perna direta ou na esquerda;
Thálita Vanessa Pinheiro, pela boa vontade e talento na criação da arte, e sua consideração e paciência com minha pessoa. Amo você!
REFERÊNCIAS
CARIOCA, Jairo. Doutrina do Santo Daime: A Filosofia do Século. Rio Branco, 2000. Monografia;
________. Vovô Irineu: todos vão se recordar e começar do ABC. Santa Luzia, MG: Editora Cristo Consolador (Editora Chico Xavier), 2023;
GOULART, Sandra Lúcia. Contrastes e Antiguidade em uma Tradição Amazônica: As Religiões da Ayahuasca. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2004;
MAIA NETO, Florestan J. (Org.). Contos da Lua Branca. Rio Branco (AC): Fundação Elias Mansour, 2003;
MOREIRA, Paulo; MACRAE, Edward. Eu Venho de Longe: Mestre Irineu e seus companheiros. Salvador: EDUFBA, 2011;
NASCIMENTO, Saturnino Brito do. No Brilho da Lua Branca. Rio Branco (AC): Fundação Garibaldi Brasil, 2005;
PONTES, Carlos José de Farias. O Primeiro Ciclo da Borracha no Acre: Da Formação dos Seringais ao Grande Colapso. Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Acre. Vol. 1, n. 1, p. 107-123, 2014;
ARAÚJO, Wladimyr Sena. Navegando Sobre as Ondas do Daime: história, cosmologia e ritual da Barquinha. Campinas, SP: Editora da Unicamp/Centro de Memória, 1999;
REVISTA DO CENTENÁRIO: edição comemorativa – 100 anos do Mestre Irineu. Rio de Janeiro: Editora Beija-flor, 1992.
Respostas de 4
Primeiro de tudo,gratidão viva o santo daime,pesso desculpas de verdade que eu tenha uma segunda chance pra vivenciar novamente firme na medicina é que isso entre na consciência como aprendizado,minhas sinceras desculpas vivaa🙏🏿
🙏💜
Parabéns, gratidão, bom demais. Abraço !!
Olá, Roberta! Agradeço sua presença e consideração! Abração!